Muda tudo na emergência do HC

Jornal da Tarde - Segunda-feira, 1 de outubro de 2007

seg, 01/10/2007 - 13h57 | Do Portal do Governo

Jornal da Tarde

A primeira visita de Rosalvo Pereira da Silva, 64 anos, ao Hospital das Clínicas foi em 1989, quando o coração ficou doente e ele precisou de um médico especializado. O tratamento durou apenas três meses, mas, nesses 18 anos, ‘seu’ Silva nunca mais procurou outra unidade de saúde. ‘Pego quatro ônibus para chegar aqui. Não troco por nada.’ Na última sexta-feira, ele fez todo o trajeto entre o bairro onde mora na Represa Guarapiranga (Zona Sul) até o HC (Zona Oeste) só para medir a pressão.

Silva faz parte do grupo de 75% dos 1.500 pacientes que, todos os dias, procuram o Pronto-Socorro do maior hospital de São Paulo para tratar doenças simples, como febre, dor de barriga e alergia. A partir de hoje, entretanto, começa o processo de mudança no atendimento. Apenas pessoas encaminhadas por outros hospitais, ambulatórios de especialidades, Assistências Médicas Ambulatoriais (AMA) e serviços de resgate serão atendidos na emergência do HC.

‘O Hospital das Clínicas é referência para doenças graves e o serviço de emergência e urgência está sobrecarregado por pacientes que precisam de atenção primária em saúde’, afirma o superintendente do HC, José Manuel Teixeira. ‘O que estamos propondo é uma readequação de fluxo. Deixar o HC para quem, de fato, corre risco de morrer e dividir o restante dos atendimentos nas Unidades Básicas de Saúde, AMAs e outra unidades que podem, inclusive, fornecer o atendimento mais indicado’.

A proposta de referenciar o PS do HC começou a ser discutida há quatro anos. Nesse período, os diretores da unidade assistiram a uma superlotação progressiva de pacientes na emergência, que veio atrelada ao aumento do tempo de espera par ser atendido por um médico (em alguns casos, a demora supera três horas).

‘Fizemos um levantamento com 1.000 pessoas que aguardavam consulta no PS. Além da maioria apresentar queixas de problemas simples, 90% disseram conhecer uma unidade de saúde perto de casa e 60% admitiram que o HC foi a primeira opção de atendimento’, diz a diretora do PS, Soraia Barakat.

Na prática, os diretores do HC querem que as UBS e AMAs sejam a porta de entrada dos pacientes. Após o primeiro atendimento das demandas locais, são os gestores de saúde dessas instituições que, pelas cinco centrais de regulação de vagas da Capital, farão o remanejamento das pessoas, conforme a gravidade do quadro clínico.

Mesmo sem nem conhecer o posto médico que funciona ao lado de sua casa na Brasilândia, na Zona Norte da Capital, Daniela Cunha, 26 anos – que sexta-feira tentava consulta no HC -, já torceu o nariz. ‘Tenho dúvidas se no posto vou conseguir tratamento adequado para a bronquite da minha filha.’

Com tanta desconfiança de pacientes como Silva e Daniela , a diretora do PS diz que as primeiras semanas após a mudança serão focadas em educação.

‘Não vamos deixar de atender ninguém que chegar no HC. Mas vamos informar qual o procedimento adequado para próximos atendimentos.’

O QUE CADA TIPO DE UNIDADE ATENDE AMA

Para casos simples e agudos. Por exemplo: febre e diarréia

UBS

Consultas com clínicos gerais, ginecologistas e pediatras. E atendimento a portadores de doenças crônicas

HOSPITAIS SECUNDÁRIOS

São os hospitais municipais e gerais da Capital. Para pacientes que precisam de cirurgias, exames complexos e até internação

HOSPITAIS TERCIÁRIOS

Como o HC, oferecem atendimento de alta complexidade, para casos graves, com risco de morte

Duas perguntas para Denise Schout, médica sanitarista e prof. de administração hospitalar da FGV

Quais são os principais desafios que o processo de referenciar o PS do HC precisará enfrentar?

Diria que são dois principais. O primeiro é que a própria organização da rede de saúde precisa estar adequada para atender esse novo fluxo de pacientes. Sabemos que isso implica em números de médicos suficientes, o que não é uma realidade em todos os locais da Capital. Em contrapartida, é fato também que a quantidade de equipamentos de saúde atual satisfaz essa demanda. Mas o fator principal para o sistema dar certo é a mudança cultural. Esse processo é mais complicado. Leva um certo tempo para os pacientes criarem a confiança de que o atendimento mais indicado pode ser prestado pela unidade de saúde próxima de casa.

Mas o sistema de UBS e hospitais secundários não é recente. Por que ainda não tem o fluxo adequado?

Existe um mito de que os casos mais simples ganham melhor atendimento nas unidades complexas, o que na verdade implica em esperas de até seis horas nos locais de referência. Ainda não houve uma valorização , da própria população, sobre as unidades de saúde básica, onde de fato os problemas menos complicados poderiam ser solucionados de forma mais efetiva, com acompanhamento mais de perto.

EM NÚMEROS

75% dos pacientes atendidos no pronto-socorro do Hospital das Clínicas são de quadros simples de saúde