Muda regra de transplante de fígado

Correio Popular - Terça-feira, dia 25 de julho de 2006

ter, 25/07/2006 - 10h52 | Do Portal do Governo

Critério do lugar na fila deixa de ser utilizado para dar prioridade a pacientes em estado grave; medida divide opiniões

Delma Medeiros

DA AGÊNCIA ANHANGÜERA

delma@rac.com.br

A mudança no critério para transplante de fígado no Brasil, que passou a ser pela gravidade do quadro e não pela ordem de inscrição, representa mais uma esperança para os pacientes hepáticos, mas, segundo especialistas, não resolve o problema principal, que é a falta de órgãos.

A medida, que passou a vigorar no último dia 17, estabelece a classificação da gravidade do caso, com base na escala Melt (Model for End-Stage Liver Disease), que calcula, a partir de exames laboratoriais, as chances de mortalidade do paciente inscrito na lista para transplante. “O novo critério me dá mais segurança. Por ele, sei que se meu quadro piorar vou conseguir o transplante”, diz o representante comercial Divanilton Dihel, de 30 anos, inscrito na fila de transplante do Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desde o final do ano passado.

Portador de cirrose hepática, o transplante de fígado é a única alternativa de Dihel recuperar sua qualidade de vida. “Meu quadro nem é dos mais graves, mas preciso tomar 14 comprimidos por dia para controlar a doença, e os efeitos são bem desagradáveis”, afirma, explicando que na semana passada, por exemplo, perdeu três dias de trabalho por causa da doença. Dihel faria hoje a bateria de exames indicada pelo Melt para avaliar suas condições de saúde.

“A medida é positiva por mudar o conceito e atender quem mais precisa”, reforça Sérgio Luiz Bergantin, presidente da Associação de Assistência aos Portadores de Hepatite, Candidatos e Transplantados Hepáticos do Interior do Estado de São Paulo (Apohie). Segundo ele, algumas pessoas do início da fila podem esperar um pouco mais pelo transplante, enquanto outras morrem antes de receber um novo órgão. “O critério pela gravidade parece mais justo.”

Para o coordenador do Serviço de Transplantes Hepáticos da Unicamp, professor Luiz Sérgio Leonardi, a mudança de critério é boa, mas tem que ser adequada à realidade brasileira para evitar distorções. O especialista explica que o Melt avalia, por exames laboratoriais, três valores básicos: rins, coagulação do sangue e bilirrubina (bilis). “Mas os exames não consideram, por exemplo, se o paciente tem dores, barriga d’água, se vomita sangue, entre outros”, observa.

“Os exames têm que ser interpretados para contemplar também as manifestações clínicas”, afirma. Outra preocupação de Leonardi é se os centros transplantadores estão preparados para realizar a bateria de exames da escala Melt na periodicidade exigida, e se os pacientes, muitas vezes carentes, terão condições de vir regularmente ao serviço para os exames. O médico frisa que essas indagações não representam críticas ao novo sistema. “O sistema Melt é bem-vindo, mas há que ser bem administrado. Senão será mais uma boa idéia que se perde.”

Para o professor, mais que alterar o método de distribuição de órgãos, é preciso promover campanhas de conscientização e dar mais suporte aos hospitais para aumentar o volume de doação e captação de órgãos. “O maior problema hoje é a escassez de órgãos, um problema que tem se revelado de âmbito mundial”, destaca. Segundo Leonardi, desde 2004, o volume de doações tem apresentado queda. O Hospital de Clínicas da Unicamp, que fazia entre 30 e 40 transplantes hepáticos por ano, realizou apenas cerca de dez procedimentos este ano. Segundo Leonardi, o HC tem capacidade para realizar em média um transplante de fígado por semana. “Não fazemos mais por falta de órgãos”, conclui.

Pesquisa na fila ajudou a balizar decisão

A mudança na ordem da fila de transplante de fígado foi proposta pela Câmara Técnica de Fígado do Ministério da Saúde no início do ano passado. A sugestão do novo critério, com base na gravidade do quadro e não na ordem de inscrição, é resultado de uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde que apontou que 61% dos pacientes da fila não têm indicação para o transplante, por terem quadro clínico muito precoce. Em contrapartida, há também 1% de pacientes em estado muito grave, mas que já passaram do tempo de receber o transplante. A fila por um fígado no Brasil tem hoje cerca de 7 mil pacientes, 3 mil só no Estado de São Paulo. A lista da Unicamp possui cerca de 400 pessoas inscritas, e a espera pelo procedimento demora entre um e dois anos.