Menores infratores, a boa notícia

O Estado de S.Paulo - Segunda-feira, 12 de Setembro de 2005

seg, 12/09/2005 - 11h16 | Do Portal do Governo

Carlos Alberto Di Franco

Um clima maniqueísta tomou conta da discussão a respeito da escalada da criminalidade infanto-juvenil. Alguns, dominados por compreensível revolta, desejam a imediata redução da maioridade penal. Apostam na repressão como arma de defesa social. Outros, apoiados numa distorcida visão dos direitos humanos, transferem para a sociedade toda a culpa pela crueldade que tem marcado a ação das gangues juvenis. O pecado social acaba apagando qualquer vestígio de responsabilidade individual.

Mas, se a repressão é incontornável, a recuperação deve ser a grande aposta que todos nós, governantes, cidadãos e formadores de opinião, devemos fazer. Precisamos acreditar no lado bom das pessoas. A recuperação é possível e está ocorrendo. O governo de São Paulo, Estado que alberga um número elevadíssimo de menores infratores, tem feito um esforço positivo. Nós, jornalistas, damos destaque às rebeliões em algumas unidades da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), mas, freqüentemente, não registramos os bons resultados que têm sido alcançados pela instituição. O rabo abana o cachorro. É a lógica da notícia. A normalidade não dá manchete. A boa notícia, contudo, também é prestação de serviço de alta qualidade. Por isso, vamos aos fatos.

Após sucessivas rebeliões promovidas por internos com indisfarçável estímulo de alguns funcionários da Febem, o governo de São Paulo acelerou o processo de mudança do modelo da instituição. Inúmeros funcionários, adeptos da tortura como instrumento disciplinador, foram demitidos. O quadro de monitores mudou. Para melhor. A estratégia adotada é correta. Os novos agentes de segurança completaram, no mínimo, o ensino médio e os educadores sociais têm formação universitária. Foi, então, lançado o plano de reestruturação pedagógica e o novo projeto arquitetônico das novas unidades da instituição. O plano está articulado sobre três pilares: escolarização básica adequada aos adolescentes, educação profissional e trabalho cooperativo. Uma cooperativa está funcionando como elo entre os jovens e o mercado de trabalho. Algumas empresas têm manifestado verdadeiro interesse em colaborar com a recuperação dos menores infratores. A McDonald’s Brasil, por exemplo, abriu vagas de atendentes para jovens inseridos nos programas socioeducativos da Febem. É por aí. É preciso estender a mão. Aproximar, ao invés de apartar.

Algumas informações, surpreendentemente pouco divulgadas, merecem um registro. A Febem oferece 69 diferentes oficinas profissionalizantes a todos os internos, capacitando-os a trabalhar como técnicos em informática, elétrica residencial, mecânica de autos, panificação e confeitaria. Como complementação do processo educativo, os adolescentes participam de inúmeras modalidades esportivas. Todos os internos são atendidos em oficinas artísticas e culturais nas áreas de artes cênicas, visuais, musicais, dança e fotografia. A entidade tem 186 oficinas do Projeto Guri distribuídas entre orquestras, corais, violão, cavaquinho e grupos de percussão. Grupos de rap já realizaram apresentações no Palácio dos Bandeirantes, na Sala São Paulo, no Memorial da América Latina e em casas de espetáculos como o Olympia. Todas as unidades contam com escola formal, da 1ª série do ensino básico à 3ª série do ensino médio, a cargo de profissionais da Secretaria da Educação; 28 adolescentes da Febem foram aprovados em diversos vestibulares em 2004.

O projeto dos novos edifícios da Febem no interior, todos aptos a receber 40 adolescentes, enfrenta, todavia, preconceitos que, há anos, conspiram contra o funcionamento da instituição. Basta pensar, caro leitor, na resistência míope de alguns prefeitos que se recusam a receber unidades da Febem nos seus municípios. Na outra ponta, juízes enviam para a Febem tanto infratores acusados de homicídio como os que roubam uma galinha. Não cogitam, na prática, de decretar penas alternativas. Finalmente, nós, jornalistas, costumamos discutir os efeitos das crises, mas não aprofundamos nas causas do crime infanto-juvenil.

Um tendão de Aquiles, contudo, pode enfraquecer a melhor das intenções: a falta de um projeto consistente de recuperação de dependentes químicos. É elevadíssimo o número de internos com problemas de dependência de drogas. Ora, dependência não tratada é recaída segura lá na frente. O que significa, na prática, alto risco de retorno à criminalidade. O governo deveria firmar convênios com comunidades terapêuticas, sobretudo nas cidades do interior que contam com algumas instituições idôneas, para que essas entidades desenvolvam projetos de recuperação dos internos. Alguns exemplos de instituições que têm obtido altos índices de recuperação: Associação Promocional Nova Gênese – Horto de Deus (Taquaritinga, SP), Fazenda da Esperança (Guaratinguetá, SP), Associação Promocional Oração e Trabalho (Campinas, SP) e Comunidade São Francisco de Assis (Araraquara, SP), entre outras. Trata-se, estou certo, de uma providência simples e de grande alcance social. Conversei com a presidente da Febem, Berenice Maria Giannella, procuradora licenciada do Estado. Concorda comigo. Agora, é esperar que uma boa idéia se traduza em resultados efetivos.

Os bandidos mirins são criminosos perigosos. Freqüentemente mais violentos que os adultos. Matam. Roubam. Estupram. Precisam ser retirados do convívio social. Mas têm, ao mesmo tempo, direito a um tratamento digno e a um honesto esforço de ressocialização. A recuperação, embora difícil, é possível. Trata-se de um objetivo que deve ser perseguido pelos governos. Custe o que custar.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética da Comunicação e representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia Ltda.
E-mail: difranco@ceu.org.br