Maior hemocentro da América Latina traça perfil do doador

O Estado de S.Paulo - Terça-feira, 14 de Junho de 2005

ter, 14/06/2005 - 10h36 | Do Portal do Governo

Estudo coincide com o Dia Mundial do Doador de Sangue, data criada pela Organização Mundial da Saúde

Adriana Dias Lopes

Hoje é o Dia Mundial do Doador de Sangue. E a Fundação Pró-Sangue, em São Paulo, o maior hemocentro da América Latina, acaba de concluir uma pesquisa inédita sobre o perfil do doador de sangue do lugar. Dos 1.600 entrevistados para o estudo – que em novembro vai ser apresentado no American Association of Blood Bank, congresso mundial sobre hemocentros, em Seattle -, 85% foram aceitos como doadores em 2004. A maioria (69,9%) vai à Pró-Sangue voluntariamente. O restante, para repor sangue de algum paciente em um dos 300 hospitais abastecidos pela fundação.

A idade média do doador é de 30 anos. Homens (52,3%) são maioria. Católicos representam 58,4%. Desempregados, 15%. A renda mensal pessoal é de R$ 210 a R$ 2 mil. ‘Quanto mais informações tivermos do doador, mais seguro será o sangue’, diz Alfredo Mendrone Júnior, coordenador de Divisão de Medicina Transfusional da Pró-Sangue.

Mesmo com o afrouxamento das regras determinado pelo Ministério da Saúde (leia quadro), a triagem continua rigorosa. A tecnologia da Pró-Sangue, vale dizer, é tão primorosa que tornou o lugar referência internacional. O banco de sangue não só exporta a tecnologia que identifica doenças no sangue para 45 centros da América Latina, como é referência da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Exemplo de exatidão: em uma das etapas da triagem, o doador passa por uma entrevista. Entre as perguntas, uma aparentemente dispensável: nome e endereço do parceiro. Caso o sangue do entrevistado seja descartado por algum motivo, automaticamente, o do parceiro vai para o lixo também.

Entre os doadores voluntários, a pesquisa identificou que 8,8% vão ao banco de sangue em busca de diagnósticos. ‘Esse não deve ser o objetivo’, reclama Mendrone. Até que o número é baixo, levando em conta que o doador sai da fundação, assim como de qualquer outro hemocentro do País, sabendo se sofre ou não de nove doenças: HIV, anemia, arritmia, hepatite B e C, hipertensão, mal de Chagas, sífilis e HTL-V (vírus que afeta a corrente sanguínea).

FURINHO

O de anemia é o primeiro teste. Logo na chegada, um enfermeiro faz um furinho na ponta do dedo do doador. O passo seguinte é medir a pressão e controlar a freqüência cardíaca. O aparelho é digital para evitar que os funcionários tenham tendinite com a repetição de movimentos – são 500 doadores por dia. Qualquer alteração nos resultados até então descartam o doador.

Os que passaram por essas etapas vão para uma entrevista a portas fechadas de 15 minutos com enfermeiros. Lá, o doador responde 69 perguntas. Apenas quatro delas podem levar ‘sim’ como resposta, que são as relacionadas ao bem-estar físico e mental. O quinto ‘não’, descarta o doador.

Em cada uma das 12 salinhas de entrevista, vê-se a placa com a frase ‘Honestidade também salva vidas’. Isso porque o questionário é um dos meios mais importantes para detectar aqueles que estão na chamada janela imunológica – período em que o vírus HIV não é detectado no exame laboratorial.

Antes de o doador finalmente estender o braço para a coleta, há ainda mais uma chance de o sangue ser descartado, que é o voto da auto-exclusão. Sem se identificar, o doador digita sim ou não para responder à seguinte pergunta: ‘Você apresenta alguma situação de risco?’ A cada dia, dez pessoas respondem sim. Como o voto é anônimo, só o sistema registra a resposta. Assim, mesmo quem respondeu sim faz a doação, mas o sangue é descartado.

A sala da coleta tem 24 confortáveis cadeiras reclináveis. Nela, uma equipe de 25 enfermeiros se reveza em dois turnos. Na quinta-feira, a estudante Elizângela Agnoleto, de 18 anos, doava sangue pela primeira vez – como 43,4% dos entrevistados. ‘Vim por causa de uma campanha na minha escola’, diz ela, aluna do Colégio Active, em São Paulo. ‘Estou com muito medo. Minha mão está suada, mas vou até o fim. Queria que meu sangue fosse útil para alguma criança.’

Em meio à agitação do lugar, voluntários passam de doador em doador. ‘Tranqüilizo os mais nervosos e agradeço a presença’, diz Cláudia Lumbau, voluntária há oito anos. Não só isso. Há quem aproveite o luxo de ter à disposição alguém com a função de confortar para ter uma conversa, digamos, mais íntima. ‘Já convenci uma moça em crise a não se separar’, resume Cláudia, com discrição.

IDENTIFICAÇÃO

Durante a doação, enquanto uma bolsa plástica com capacidade para 450 mililitros (ml) é preenchida num compartimento abaixo da cadeira – portanto, longe dos olhos do doador -, os enfermeiros recolhem três pequenas amostras do líquido. Duas para identificar o tipo do sangue, uma para testes de doenças. A bolsa é liberada para doações 24 horas depois, com os exames feitos. O doador recebe os resultados em casa.

Ao mesmo tempo em que é testado, o sangue é dividido em plaquetas, hemácias e plasma. As plaquetas, usadas principalmente em quimioterapias e tratamentos da medula óssea, têm validade de cinco dias. As hemácias duram 35 dias e servem quando o paciente perde sangue, como em acidentes ou anemias agudas. O plasma – a parte líquida do sangue, onde estão, por exemplo, proteínas importantes para hemofílicos – dura até cinco anos.

O doador sai da Pró-Sangue com o estacionamento pago e um lanchinho gostoso. A paz da hora do lanche, porém, pode ser interrompida a qualquer momento com uma sirene. Quando vê que alguém está passando mal, a balconista aciona o sinal para chamar as enfermeiras que estão na sala ao lado. O índice de desmaios é de 5%.