Laranja não tem mais mistérios para o IAC

Correio Popular - Campinas - Quinta-feira, 2 de setembro de 2004

qui, 02/09/2004 - 10h14 | Do Portal do Governo

Depois de dois anos de trabalho e investimentos de mais de R$ 4 milhões, pesquisadores concluem o seqüenciamento genético dos citros

Maria Teresa Costa, da Agência Anhangüera

Depois de dois anos de investigações e um investimento de R$ 4,4 milhões, pesquisadores de várias instituições de pesquisas, liderados pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), concluíram o seqüenciamento genético, funcional e comparativo dos citros – e agora já sabem quais são e onde estão localizados os genes responsáveis pela resistência às principais doenças da laranja. Mais que isso: sabem também quais são os genes existentes nos vírus, bactérias e fungos que provocam as doenças.

O resultado prático desse trabalho é que, possivelmente em dois anos, o Agronômico já terá condições de colocar no mercado variedades de laranjas resistentes a um ou dois patógenos.

Essas variedades sairão de algumas das mais de 10 mil plantas que estão sendo analisadas nesse projeto e que englobam cerca de 700 híbridos produzidos pelo Centro Avançado de Pesquisa Tecnológica do Agronegócio de Citros Sylvio Moreira, em Cordeirópolis. São híbridos de laranja com tangerina, tangerina com poncirus, entre outros.

Será um grande passo para consolidar ainda mais o Brasil como o maior produtor mundial de frutas cítricas e de suco de laranja em um mercado que movimenta US$ 10,5 bilhões anuais.

Economia

Variedades resistentes trarão economias. Somente com o combate a CVC (clorose variegada dos citros ou amarelinho, provocada pela bactéria Xylella fastidiosa) o Brasil gasta US$ 150 milhões anuais na reposição de mudas, poda de planta infectada e controle do vetor.

No controle do ácaro vetor da leprose são gastos US$ 100 milhões por ano com acaricidas. A leprose é uma das principais doenças da citricultura e atinge, principalmente, laranjeiras doces.

Provocada por um vírus transmitido pelo ácaro Brevipalpus phoenicis, a leprose pode causar perdas de produção e redução da vida útil da árvore debilitada. Isso significa que, no final das contas, de 20% a 30% dos US$ 1,2 bilhão exportados em suco são investidos na convivência com essas doenças.

As doenças, diz o pesquisador e coordenador do projeto, Marcos Antonio Machado, diretor do Centro de Citricultura, são o principal limitante da citricultura brasileira.

Mas o seqüenciamento e mapeamento genético de três espécies de citros (laranja, tangerina e do porta-enxerto Ponicrus trifloliata) que foram concluídos agora e de outros quatro citros (limão, lima, sidra e laranja azeda) que estarão concluídos até o final do ano, colocaram o Brasil também na liderança mundial nas pesquisas científicas do setor.

Maior do mundo

Até o final do ano estarão concluídas 330 mil seqüências de genes. ‘É o maior banco de informações sobre citros do mundo’ , comenta Machado, explicando que o projeto foi o único na área de ciências agrícolas escolhido pelo Programa Institutos do Milênio do Ministério de Ciência e Tecnologia, no final de 2001.

O projeto envolveu pesquisadores do IAC, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Estadual de Maringá, Universidade Federal de Lavras e Embrapa.

A proposta era fazer o seqüenciamento genético dos citros, trabalhar no genoma funcional (estudar a função dos genes para descobrir aqueles que expressam proteínas que conferem resistência às doenças) dos citros e também nos vírus, bactérias e fungos.

Mas com o corte no financiamento do projeto feito pelo Ministério, os pesquisadores optaram por cortar a parte de estudo do genoma funcional nas plantas. Comparando plantas sadias com plantas infectadas, os pesquisadores já têm informações sobre os genes responsáveis pela resistência.

Descobriram, por exemplo, que no caso da CVC, uma região com muitos genes expressa a resistência na planta. Já na tristeza um único gene protege a planta da infecção. O vírus da tristeza, do gênero Closterovirus, infecta praticamente todas as espécies, cultivares, híbridos e muitos afins de citros.

Assim, com financiamento cortado pela metade, os pesquisadores detiveram-se na avaliação dos genes dos patógenos.

No caso da Xylella fastidiosa, primeiro ser vivo a ter seu genoma seqüenciado no mundo, o projeto estabeleceu um modelo de infecção que permitiu saber porque ela é patogênica (o motivo é que ela tem grande capacidade de adesão à planta e suga sua seiva, matando-a de sede).

Melhorias dispensam os transgênicos

O entendimento genético da planta e dos agentes causadores das doenças dos citros abre caminho para a transferência de genes de uma planta para outra, garantindo que a resistência própria de uma espécie seja levada para outra. Assim, com uso da engenharia genética e sem recorrer a transgênicos, será possível, por exemplo, transferir características de resistência da tangerina para a laranja.

‘Nosso foco é o melhoramento genético’ , diz o pesquisador Marcos Antonio Machado. Para o Brasil ser competitivo precisa de fruta com qualidade, comenta. Por isso, concluir o projeto, trabalhando na pesquisa do genoma funcional dos citros é importante.

Conseguir uma laranja, por exemplo, resistente ao cancro cítrico, trará enorme economia ao pais. A erradicação do cancro cítrico, conforme dados do IAC, consome cerca de US$ 30 milhões anuais. Causado pela bactéria Xanthomonas axonopodis, o cancro cítrico ataca todas as variedades e espécies de citros e constitui-se numa das mais graves doenças da citricultura brasileira.

Machado explica que se o Brasil quer melhorar a qualidade da laranja terá que investir no melhoramento genético. Fruta de qualidade para o mercado é aquela que não tem sementes, que tem acidez equilibrada e cor laranja (a nossa é amarela, por causa do clima; as de cor laranja ocorrem em climas mais amenos).

Sabendo quais os genes que conferem cada uma dessas características será possível transferi-los de uma espécie de citros para outra, para chegar a fruta ideal. ‘Hoje temos um bom volume de informações já avaliados em condições de campo, uma boa base de dados de funcional, entendemos o mecanismo de ação dos patógenos. É uma evolução muito grande no conhecimento’ , avalia.