Lar dos imigrantes de SP faz 120 anos

O Estado de S.Paulo - Terça-feira, 9 de outubro de 2007

ter, 09/10/2007 - 15h56 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

O Memorial do Imigrante, na Mooca, zona leste, promete a partir de hoje oferecer uma viagem no tempo – que permitirá a muitos paulistanos conhecer a história de seus antepassados. O memorial organizou uma exposição para comemorar os 120 anos da Hospedaria de Imigrantes, que funcionou no prédio de 1887 a 1978, centro de referência de europeus e asiáticos que chegavam ao Brasil em busca da promessa de uma vida melhor. São 80 fotografias, móveis e utensílios de época e documentos como livros de registros da hospedaria e dos navios que desembarcavam no Porto de Santos. A exposição ficará um ano em cartaz.

Num dos salões, o público terá acesso a vídeos de depoimentos de imigrantes. Muitos deles contam a aventura de tomar um navio para uma terra ainda desconhecida e viajar em alto-mar quase dois meses (veja depoimentos ao lado). Desciam em Santos, tomavam o trem para São Paulo e depois seguiam para a hospedaria, com todos os pertences que lhes restavam. No local funcionava uma espécie de agência de empregos. Os imigrantes ficavam em média uma semana e partiam para lavouras de café.

Isso aconteceu com a lituana Severa Petroka, de 84 anos, que tinha apenas 4 quando desembarcou no Brasil, com os pais e os cinco irmãos. Ela se lembra mais da viagem do que da hospedaria. “Partimos de Bremem (Alemanha). Lá, na estação, já começou a ser estranho. Pela primeira vez, vi um homem andando com uma perna só. Era época de guerra.” A viagem demorou dois meses. “Todos passavam muito mal. Só eu, meu irmão mais velho e meu pai sentávamos à mesa para comer.”

Da hospedaria, a família de Severa foi para uma fazenda de Ribeirão Preto. Mas as crianças pegaram uma infecção nos olhos por causa do pó do café. O pai de Severa voltou para a capital. Sem ter idéia de um lugar para onde ir, foi à Estação da Luz. Fez amizade com um patrício que levou todos para sua casa, um porão no Bom Retiro.

Depois que arrumou trabalho, o pai conseguiu juntar dinheiro para comprar um terreno na Vila Alpina, zona leste. Severa virou freira, mas abandonou o hábito aos 44 anos. Todos da família morreram. E de lembrança, ela só guarda um registro de chegado ao Brasil do irmão mais velho, Juozas Petroka, que teria hoje 98 anos. O documento ela conseguiu no Memorial do Imigrante.

O prédio continua funcionando como referência, agora para os descendentes, que procuram por suas raízes. É o caso da analista de sistemas Mariluci Friia, de 43 anos, que não teve a oportunidade de ouvir a história da família da boca da avó, Giuliana D’andreamatteo, que chegou ao Brasil com 5 anos, em 1902. “Da minha avó lembro pouco. Tem uma cena que não esqueço. Era pequena, pouco mais de 5 anos, e perguntei a ela porque tinha um olho tão estranho”, conta Mariluci. “Ela me respondeu que tinha ficado cega de uma vista quando pegou sarampo, no navio em que veio para o Brasil.”

A maior parte dos registros dos livros da hospedaria foi digitalizado e está na internet (www.memorialdoimigrante.sp.gov.br) para pesquisa. “Quando peguei ali o nome da minha avó fiquei emocionada”, diz Mariluci. “Imaginei ela desembarcando da maria-fumaça, bem menina. Quase chorei.”

DEPOIMENTOS

Antanas Augustaitis

Lituano – 1926

“Sabendo pelos jornais e pelas companhias, o pai se inscreveu como imigrante para um país chamado Brasil… O navio atracou. Querida terra, Brasil.

O trem já esperava por nós. Chegamos na hospedaria. Veio cafezinho e pedaço de pão. Até hoje me lembro, mas que café! Era licor de café”

César Leal Ferreira

Administrador do prédio – 1935 a 1965

“Nós tínhamos serviço médico, lavanderia, dentista… Certa ocasião, vi uma cena impressionante: uma roda de mulheres. Era uma mulher de cócoras, dando à luz”

Auguste Josephine Hoff

Alemã – sem data

“Na Alemanha meu pai estava fazendo um serviço que não gostava muito, e viu um anúncio procurando engenheiro no Brasil. Então se candidatou e foi aceito”

Berta Kogan

Romena – 1921

“Ninguém sabia o que era o Brasil… Lembro do último adeus. Lembro da última coisa que fiz com as mãos. Depois desapareceu de mim a lembrança (da Romênia)”

(SERVIÇO)Memorial do Imigrante: Rua Visconde de Parnaíba, 1.316, Mooca, tel. 6692-7804. Abre de 3ª a domingo, das 10 às 17 h