Kennedy Alencar entrevista Serra no “É Notícia”

É Notícia - RedeTV! - Domingo, 2 de novembro de 2008

ter, 04/11/2008 - 14h06 | Do Portal do Governo

É Notícia – RedeTV!

ÂNCORA: Boa noite. O É Notícia de hoje está começando. Vamos conhecer o nosso entrevistado de hoje.

Paulistano da Mooca, palmeirense, tucano e economista. Ele é o político apontado como grande vitorioso das eleições municipais. Foi líder estudantil e exilado político durante a ditadura militar de 19 64. Possui um currículo extenso, já foi Secretário de Estado, Deputado Federal, Senador, Ministro do Planejamento e Ministro da Saúde. Na pasta da saúde, implantou um programa de combate à AIDS que é modelo no mundo inteiro regulamentou os medicamentos genéricos e enfrentou interesses das grandes indústrias farmacêuticas ao quebrar patentes de medicamentos de interesse da saúde pública. Tem fama de bom administrador, mas também, de centralizador. Mal humorado e de obstinado em ser Presidente da República. Em 2002, perdeu a eleição presidencial para o petista Luiz Inácio Lula da Silva. Dois anos depois, foi o primeiro tucano a se eleger Prefeito da capital paulista.

REPÓRTER: Serra venceu com 55% dos votos contra 45% de Marta Suplicy.

ÂNCORA: Ele já havia concorrido ao cargo duas vezes sem sucesso. Após um ano e pouco como Prefeito, deixou o cargo nas mãos do vice, Gilberto Kassab, a fim de concorrer ao Governo de São Paulo em 2006. Ele havia assinado um documento dizendo que não deixaria a Prefeitura para se candidatar, mesmo quebrando a promessa, foi eleito Governador de São Paulo no primeiro turno. Atualmente, é o líder nas pesquisas sobre a sucessão presidencial de 2010. Hoje ele é notícia, o Governador de São Paulo, José Serra.

Boa noite Governador, obrigado por ter vindo. Eu quero agradecer a sua presença e queria começar falando de economia.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Deixa eu só te falar uma coisa,

ÂNCORA: Diga

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Mau humor só de manhã.

ÂNCORA: Só de manhã. Sabe que já consegui um efeito nessa entrevista, que era fazer o senhor sorrir, né? O Zé Emílio, meu diretor ,falou: olha, tem que fazer uma entrevista com o Serra e arrancar um sorriso dele.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Acontece o seguinte, o meu humor de manhã realmente é ruim, depois vai melhorando ao longo do dia e de noite é ótimo.

ÂNCORA: Na hora da entrevista então, está ótimo né?

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Tá bem.

ÂNCORA: Ótimo. Vamos falar de economia e depois nós vamos falar mais um pouquinho das coisas pessoais do senhor. O Presidente Lula disse que o Brasil ia sofrer uma marola com essa crise internacional. Depois o Governo admitiu, o Ministro da Fazenda Guido Mantega que a coisa é mais séria, é mais grave. Quais serão os efeitos da crise sobre o Brasil, sobre o estado de São Paulo e quanto tempo ela vai durar, Governador?

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Olha, tem uma questão que é fundamental, nenhum chefe de estado de nenhum país, nem nenhum Ministro da Fazenda, podem ou devem apresentar visões pessimistas a respeito da economia. Por quê? Porque como economia da mundo de hoje se move muito por expectativas, se vem aquele que manda fazendo previsões negativas, ele estimula a que as coisas piorem.

ÂNCORA: Claro.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Então, não dá para esperar que nenhum chefe de estado, nenhuma autoridade econômica apresente visões pessimistas. E não é falsidade delas. É uma atitude.

ÂNCORA: É o papel delas?

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: É o papel delas.

ÂNCORA: Agora o Presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex Presidente, disse que o Lula estava parecendo poliano, ou seja, teria tido uma expectativa otimista demais. Também não é papel alertar um pouco, dizer que, olha, o problema é mais grave do que se imaginava?

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: É, mas enfim. O importante é isso. Não dá para esperar de  dirigentes que façam previsões pessimistas.

ÂNCORA: Que o mundo está pegando fogo.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: O mundo está na pior situação desde o final dos anos 20 no século passado. Que eu não tinha nascido, mas estudei e dei aula até como economista.

ÂNCORA: Sobre isso.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: A esse respeito. Está numa situação muito complicada. Impossível não atingir o Brasil. Claro que tem que atingir o Brasil. De que maneira? Cortes de crédito, saída de dinheiro, queda de preços de exportações brasileiras. Estão caindo de todos os países, mas inclusive as brasileiras que são principalmente as chamadas commodities. O Brasil exporta principalmente, não só, mas principalmente carne, soja, minérios, coisas assim. Tudo isso caindo. Então, tem impacto aqui dentro, sem a menor dúvida. E a mobilização agora é para minimizar, atenuar esses impactos, esta é a realidade.

ÂNCORA: O Governo tomou uma série de medidas. O senhor acha, essas medidas foram adequadas, estão na linha correta? Algumas…

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Estão na linha correta.

ÂNCORA: Tá…

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Assim, no sentido de, por exemplo, o Banco Central poder fazer redesconto dos bancos. Em que sentido? Tem bancos que ficaram em situação complicada. Aí o Banco Central ia emprestar a eles, facilitar a venda de carteiras de empréstimos de bancos, que os bancos têm lá os seus empréstimos, que são os menores que têm situação mais difícil. Os grandes bancos não estão em situação difícil. Então permitir que isso seja comprado, ou estimular que seja feito pelo Banco do Brasil, que o Banco Central possa sair em socorro. Muita gente pensa, bom, mas botar dinheiro nisso? Primeiro que não é gasto fiscal propriamente dito, é medidas de crédito.

ÂNCORA: Estão emprestando na prática né?

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Segundo, é impedir que haja um efeito cumulativo, de manada. Às vezes uma instituição financeira quebrar, ela arrasta outras.

ÂNCORA: Exato.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Então tem que atuar como freio. Agora, o que tá faltando é operacionalizar melhor aquilo que se pretende. Por exemplo, o crédito. Você olha a indústria automobilística é muito importante para emprego no Brasil e em São Paulo, mas não só em São Paulo,  no Brasil também, São Paulo hoje deve produzir uns 40% dos veículos do Brasil, mas tem 60 que são em minas, no Rio de Janeiro, no Paraná, enfim, na Bahia, em outros Estados. Agora, o Governo permitiu que os bancos ficassem com mais dinheiro para emprestar. Porque todo banco quando recebe depósito ele tem que recolher uma parte no Banco Central, é o chamado depósito compulsório.

ÂNCORA: Compulsório, exato.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Então, ele aliviou, ampliou, diminuiu o depósito compulsório para ampliar a possibilidade de empréstimo, mas não está chegando.

ÂNCORA: Pois é, na quinta feira.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Não está chegando.

ÂNCORA: Não está chegando. Na quinta feira o Governo tomou uma medida para punir os bancos. Liberou aquele depósito de compulsório para compra de carteira e os bancos usaram só 15%. É cerca de 30 milhões de reais, ocuparam apenas 5 mil carteiras pequenas. Esse dinheiro não vai ser mais remunerado para a SELIC. O que o Governo está dizendo é, se você ficar com o dinheiro parado você não vai ganhar lucro fácil de uma taxa de juros que é uma das mais altas do planeta , em tese. Agora os bancos já estão dizendo que vão aumentar os juros. Acabam trocando seis por meio dúzia ali?

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Tem um risco. Ainda é cedo para avaliar porque já foi essa semana. Agora eu acho que devia fazer coisas diretas também pelo Banco Central e pelo Banco do Brasil, pela Caixa Econômica e por bancos estaduais ainda existentes. Muitos bancos estaduais foram vendidos, não são mais bancos oficiais, mas têm alguns. Por exemplo, em São Paulo, tem a Nossa Caixa. Eu acho que devia fazer também, eu não entendo por que é que não se faz diretamente pelo Banco do Brasil, porque no Banco do Brasil, o banco é do Governo. O Governo manda fazer, os dirigentes do Banco do Brasil fazem, tá certo? Eu acho que devia usar essa linha mais direta. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve, que é o Banco Central de lá, tem feito diretamente operações.

ÂNCORA: Agora o Meirelles…

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Você entende? Eu acho que o Governo devia fazer diretamente. Eu vejo o Lula preocupado com essa situação.

ÂNCORA: Ligando para banqueiro, cobrando.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Ligando, tal. Agora eu acho que o outro passo seria acionar diretamente o Banco do Brasil, Caixa e bancos oficiais estaduais, para saírem na frente disso. Se os outros não andam, faz andar por eles. E você veja, no caso de caminhão, as encomendas de caminhões caíram 15%. Quer dizer, um em cada sete caminhões deixou de ser encomendado. Ora, tem gente querendo comprar, tem a fábrica querendo vender, tem emprego na fábrica, porque não vai fazer esse crédito? Tem que refazer essas linha de crédito.

ÂNCORA: Alguns problemas, porque assim, o Banco do Brasil e a Caixa eles não dão conta de atender toda a economia. E ainda reclamam o seguinte. Eles estão sujeitos a uma fiscalização do Ministério Público.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: É verdade.

ÂNCORA: Eles podem responder pessoalmente com o patrimônio deles. Então também não dá para sair emprestando a torto e a direito aí. Por isso que a parte privada tinha que ter um papel importante, não Governador?

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Tem, sem dúvida nenhuma. Sem a parte privada não dá para resolver. Mas é que você pode começar a puxar o cordão, você entende? Você tem que desatar o fio do novelo, o novelo puxando o fio. E o fio podem ser as instituições públicas, sem dúvida nenhuma.

ÂNCORA: Uma outra forma de puxar esse fio não seria baixar os juros? A gente está vendo Banco Central no mundo inteiro baixando juros e o nosso Banco Central manteve a taxa em 13, 75% ao ano, que é a taxa básica, a gente sabe que é uma referência.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: A mais alta do mundo.

ÂNCORA: A mais alta do mundo.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: É a mais alta disparada…

ÂNCORA: Disparada

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Não tem nem quem chegue perto.

ÂNCORA: Pois é, não seria nesse momento apropriado que o Banco Central baixasse a taxa significativamente um ou dois pontos para um sinal?

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Eu já achei bom que não tivesse aumentado, porque tinha gente querendo aumentar. Agora, acho que devia se cogitar de reduzir sim cautelosamente, sem fazer nenhuma coisa louca, de reduzir sim. O mundo inteiro está fazendo isso. E veja, os preços de produtos alimentícios, minérios, matérias primas, as chamadas commodities, estão caindo. Se você for pegar na média, aquilo que o Brasil exporta, deve ter caído 25, 30%. Então, não tem perigo de repique na inflação.

ÂNCORA: Por causa do câmbio. O câmbio vai trazer um repique na inflação.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: E os juros também. Não tem. E acontece o seguinte. Não dá para separar condições de crédito da taxa de juros. Como alguém chegou a dizer aqui. Não tem cabimento. Quer dizer, liquidez que significa disponibilidade de dinheiro na economia, tem muito a ver com juros. Até porque se os juros são muito altos, os bancos em vez de emprestarem preferem aplicar em título público, é o mais racional, tá certo? É a atitude mais razoável. Porque título público é seguro, ninguém teme calote. Se a remuneração for sideral, vai tudo para isso e não ativa a economia e aí cai a renda, cai o emprego, e todo mundo sai perdendo.

ÂNCORA: Agora fazendo aqui o papel do advogado do diabo do outro lado, muitos economistas defendem o Banco Central dizendo que ele faz essa política monetária, essa política de juros altos conservadora pra equilibrar uma deficiência da política fiscal. Ou seja, o Governo Lula ampliou os gastos do segundo mandato, e para haver um equilíbrio maior, o Banco Central tem que pesar a mão na política monetária. Existe mesmo essa descoordenação? O Governo não tinha que fazer uma política fiscal mais altera?

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Existe, mas não é essa descoordenação que explica o Brasil ter os juros mais altos do mundo. Existe déficit público, não é mais alto do que na maioria dos países não, e ninguém fez isso.

ÂNCORA: E porque tem essa taxa, Governador?

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: É um desequilíbrio do ponto de vista fiscal potencial inclusive por causa de decisões de aumentos de gastos que vão percorrer os próximos anos

ÂNCORA: São despesas fixas e arrecadatórias.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Segundo, aumentou demais o gasto corrente ao invés de aumentar investimento. Mas investimento também é gasto, só que é um gasto melhor, do ponto de vista do emprego e do ponto de vista do crescimento da economia. Agora, uma coisa, a meu ver, até agora, não justifica outra. Não é essa história, tem política fiscal pródiga, tem que ter uma política apertada. Porque política apertada, em qualquer país civilizado, é juros de 4, 5%.

ÂNCORA: Porque essa nossa então? Porque o Banco Central mantém? É ideológico isso? Qual é a explicação Governador?

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Eu acho que um dia eu tinha que perguntar para eles mesmos né?

ÂNCORA: É uma coisa complicada.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Entra um ciclo vicioso que combina várias coisas. Medo da inflação, às vezes erro de economia, e análise econômica, enfim, sistema de interesses, aí é um conjunto de fatores, é muito difícil de ter uma conclusão precisa a esse respeito. Não diria que é má fé, ninguém faz de propósito, ninguém tá lá para atrapalhar o Brasil, mas às vezes as ações não são as melhores.

ÂNCORA: O Presidente Lula concedeu um modelo de autonomia formal para o Banco Central baseado no fio do bigode, na palavra dele. O senhor acha que esse modelo é adequado? O que o senhor acha da autonomia do Banco Central? Devia ter ou não devia ter?

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: O Banco Central, na prática, desde o Fernando Henrique, tem uma autonomia total, tá certo? Tem tido na prática em matéria de funcionamento. Eu acho que eles não podem reclamar disso. Porque eu tenho certeza que em várias vezes o Presidente da República fica sabendo de decisões do Banco Central depois que elas são tomadas.

ÂNCORA: O senhor acha que devia continuar assim ou devia mudar?

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Olha, eu acho que o Banco Central tem que ter autonomia, mas ele não pode se descolar também do resto do país, porque afinal de contas, não podemos ter um outro poder independente, poderes são Legislativo, Judiciário, junto com o Ministério Público, que também tem, e Executivo, Legislativo e Judiciário. Tudo mais são poderes subordinados, você não tem a menor dúvida disso, e aliás a responsabilidade acaba caindo sempre no caso de tudo aquilo que tem a ver com o Executivo, no Presidente da República. Eu acho que o Banco Central deve trabalhar com autonomia, mas deve também responder à sociedade e ao Governo pelas suas políticas, que não é só de inflação, é também de emprego e atividade econômica como aliás a situação atual demonstra.

ÂNCORA: A gente está vendo nos Estados Unidos, o FED, os dirigentes do FED, dizendo que têm uma preocupação com o emprego.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Claro.

ÂNCORA: Às vezes não tem uma preocupação só com a meta de inflação, tem também com a meta de crescimento.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Na Inglaterra também. Eu acho que no Brasil tinha que ser assim.

ÂNCORA: Perfeito. Governador, muitos economistas dizem que o Governo deve expandir os gastos numa hora de crise. Outros prescrevem corte de gastos nesse momento. Qual é a sua receita?

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Não tem como expandir agora nesta conjuntura, até porque o Governo aumentou demais gastos correntes de uma forma que não dá para comprimir. Mas eu acho que não deve cair, deve manter o investimento. Eu até como Governador, estou fazendo esse esforço. Manter os investimentos. Entendeu?

ÂNCORA: E o corte de gastos de custeio?

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: E enxugando custeio, e você sempre tem margem para enxugar.

ÂNCORA: A Ministra Dilma está cogitando fazer um superávit menor em 2009. O Governo tem uma meta oficial de superávit primário que grosso modo é aquela economia para pagar o juros da dívida que é de 3, 8% do Produto Interno Bruto.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Você veja uma coisa. O juros aqui é tão alto que a dívida pública do Brasil ela é 40% da italiana, mais ou menos, em termos relativos. E o Brasil, gasta quatro vezes mais em juros do que a Itália. Ou seja, você é duas vezes meio menor, e gasta quatro vezes mais. Isso também é um fator fiscal. Eu acho que o Banco Central tinha que também pensar na situação fiscal quando faz política de juros.

ÂNCORA: Quando faz política monetária, nós estávamos falando da questão do PAC. Ela quer fazer um superávit menor para poder continuar investindo no PAC. 15 bilhões. O senhor acha que está correto? Tem que fazer isso mesmo?

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Eu não posso te dizer, eu não conheço o raciocínio com relação ao superávit primário. Mas eu acho correto a idéia de manter o PAC, os investimentos federais do PAC intacto. Na nossa parte, a gente está mantendo, até porque, aqueles que são chamados investimentos do PAC, em boa medida, são investimentos de Estados e municípios. E a nossa parte nós estamos mantendo.

ÂNCORA: Perfeito. Governador, muita gente diz que a atual crise nasceu de uma falta de regulamentação do Estado. E sobretudo, de fiscalização do sistema financeiro. O senhor acha que passada essa crise, vai permanecer esse sentimento de que o Estado tem que ter uma participação maior, uma intervenção maior na economia no capitalismo financeiro?

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Uma supervisão, nós vivemos uma fase nas últimas décadas, de grande liberalização financeira. Funcionou até certo ponto para o mundo como um todo, desigualmente, alguns ganharam mais e outros menos. O Brasil está entre os que ganhou menos, porque a sua taxa de crescimento é menor do que a do resto do mundo e mesmo da América Latina, mas cresceu. Agora, esse sistema entrou em crise. Já é passado Kennedy. Já é do passado. O que vai surgir é muito difícil de prever. Agora, certamente, vai ser um sistema mais regulamentado. Isso é fundamental. Mesmo aqui no nosso caso. Você tem um problema que afetou muito os exportadores, que o Delfim Neto, chama como mesmo? Derivativos tóxicos né? Que é uma palavra boa, é bem.

ÂNCORA: Delfim é ótimo frasista né?

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: O Delfim é ótimo para frases e para colocar uma expressão. Mas é correta a análise que ele fez. O que aconteceu? Os juros muitos altos levam o real a ficar excessivamente valorizado. Dólar é muito barato. Exportador começa a perder dinheiro. Tá certo? Porque ele recebe menos reais pelas exportações que ele faz. Importador começa a importar mais, por quê? Porque o dólar mais barato significa preço mais barato em reais. Muito bem. Os exportadores começaram a perder dinheiro. Então, como é que eles fizeram? Como é que eles se socorreram nisso? Primeiro antecipando o ingresso de dólares. Tá certo? Por exemplo, você exporta e você vai entregar em fevereiro. Você antecipa para agora a entrada do dinheiro. Pega e aplica a taxa de juros no Brasil que é a mais alta do mundo. Ganha dinheiro nesse período. Como também a moeda vinha se sobre valorizando o real cada vez mais, e o dólar perdendo o valor, no final do processo, ele compra o dólar para pagar onde ele pegou o dinheiro a um preço menor. Então ele passa a se manter pelo mercado financeiro, e não com cálculo econômico de um produtor. É como um supermercado na época antes do real, com inflação de 20% ao mês. O supermercado não leva dinheiro vendendo a lata de ervilha. Ele ganhava dinheiro aplicando no mercado financeiro, por causa, com a inflação a 20% ao mês, você imagina. O sujeito aplicando bem, ele ganha. Ou então com estoques, porque os estoques se valorizavam fazendo esse tipo de jogo. Só depois do real é o que sistema de supermercados se acertou. Então, exportador com câmbio arrochado, ele tende a procurar saída.

ÂNCORA: Claro

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR:Alguns exagero armo, por quê? Porque abriu um esquema que não tem o controle. Atividade produtiva ela é sempre mais controlada, porque você produz, tem um custo, você vende no mercado, entendeu? Você não pode fazer loucura. Na área de especulação, você pode fazer. Agora, é importante entender que esse esquema esteve relacionado com a política do Banco Central. E isso é importante. Não é para ficar agora esfregando no nariz, porque eu estou querendo olhar para frente torcendo para o Banco Central acertar…

ÂNCORA: Acertar.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Temos que jogar no melhor aí. Mas isso aconteceu. Outro aspecto. Muitos investidores começaram a pegar dinheiro, por exemplo, do Japão, onde a taxa de juros é a mais baixa do mundo, sei lá, 1, 2% ao ano, e trazer para o Brasil para ganhar dinheiro, por causa da taxa de juros alta. Num contexto de crise, eles levam o dinheiro embora, você percebe? Boa parte do dinheiro que sai é aquele que tinha sido atraído pelas maiores taxas de mundo. Ou seja, esses eram defeitos do sistema, embora não possa se dizer que a crise seja causada. A crise é causada hoje pela tormenta internacional.

ÂNCORA: Mas o Brasil tem essa vulnerabilidade.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Mas sem dúvida essa vulnerabilidade foi criada e eu espero que ela seja eliminada.

ÂNCORA: Governador, vamos chamar agora.

JOSÉ SERRA, GOVERNADOR: Posso tomar água aí?

ÂNCORA: Por favor, pode tomar a sua água. Vamos chamar o intervalo, o É Notícia volta daqui a pouco.