“Jovem doutor” dá dicas de saúde e ajuda na prevenção de doenças

O Estado de S.Paulo - Segunda-feira, 14 de maio de 2007

seg, 14/05/2007 - 12h00 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

Universitários da USP treinam alunos do ensino médio da rede pública para repassar informações à comunidade

Eduarda Miranda sonha desde criança em ser médica pediatra. Já começou a estudar mais e a se preparar para os concorridos vestibulares à carreira, mas o que ela não esperava é que começaria a “exercer a profissão” com apenas 16 anos. Ela faz parte de um grupo de 37 alunos da pequena Tatuí, no interior de São Paulo, que estão recebendo treinamento de estudantes das áreas de saúde da Universidade de São Paulo para se tornarem “jovens doutores”.

Não que eles vão sair por aí aplicando diagnósticos ou oferecendo tratamentos, mas a idéia é que a turma aprenda hábitos saudáveis e noções de prevenção de doenças – que, com alguns conhecimentos básicos, podem ser facilmente evitadas – e repasse essas informações para a comunidade.

O projeto ainda é piloto, mas o objetivo é atingir o País todo. “Acreditamos que, com um bom incentivo, será possível envolver cerca de 2 milhões de estudantes dos ensinos superior e médio. Aos poucos, essas comunidades podem começar a mudar seus hábitos, o que deve contribuir para diminuir a incidência de doenças, reduzindo os custos com a saúde no País”, acredita Chao Lung Wen, coordenador-geral da disciplina de telemedicina da Faculdade de Medicina da USP e do Projeto Jovem Doutor. “Acima de tudo é um trabalho de melhoria das condições de vida”, diz.

A base da proposta é relativamente simples. Universitários de Medicina, Odontologia, Enfermagem, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Nutrição e outras áreas da saúde munidos com vídeos da Geração Saúde (do ministério da Educação), CD-ROMs do Homem Virtual (projeto com modelos gráficos do corpo humano) e materiais didáticos oferecem cursos de treinamento para os alunos do ensino médio de escolas públicas. Eles ficam responsáveis por criar formas de repassar o ensinamento para a comunidade. Isso pode ser feito por meio de palestras, vídeos, cartazes, teatro, programa de rádio, etc.

Os organizadores do Jovem Doutor listaram alguns temas pertinentes de saúde pública para tratar no período de um ano, mas buscam adequar o treinamento às demandas da cidade que está recebendo o projeto. Se há, por exemplo, uma forte incidência de malária, como é comum na Amazônia, as dicas serão de prevenção da doença.

A época do ano também vai pautar as aulas. No verão, o foco será o câncer de pele. No inverno, as doenças respiratórias. Outros assuntos tratados serão saúde bucal, doenças sexualmente transmissíveis, métodos contraceptivos e planejamento familiar, dengue, hanseníase, drogas e álcool, nutrição, vacinação e educação postural.

Como foi concebido na telemedicina, o Jovem Doutor tem uma parte virtual. A idéia é aproveitar a afinidade dos adolescentes e jovens com a internet para atrai-los para o projeto e também para liberar os universitários e professores de estarem presentes o tempo todo.

A educação a distância também vai permitir a expansão do projeto para todo o País. No entanto, a comunicação entre os estudantes do ensino médio, universitários e professores deve ser freqüente por meio de chats e e-mails.

O site do projeto conta ainda com um tutor eletrônico, que traz uma série de informações complementares sobre os assuntos tratados no treinamento para que os estudantes possam se aprofundar e se atualizar. A idéia é que esse material também possa ser usado na divulgação para a comunidade.

“O projeto pode ser resumido nas palavras cooperação e cidadania, promoção de saúde na comunidade e chance de inclusão digital”, explica Sérgio Daré Jr., coordenador da Liga de Telemedicina da Faculdade de Medicina da USP.

CIDADE-PILOTO

Após meses sendo concebido, o projeto finalmente pôs o pé na estrada no primeiro sábado deste mês. Eram 6h45 quando uma turma de universitários e professores espantava o sono e saía da Faculdade de Medicina da USP em direção à Tatuí, cidade de 107 mil habitantes, 137 km a oeste da capital.

Passadas duas horas, encontraram um grupo de adolescentes não menos empolgados. Eles dispensaram o dia de descanso para “aprender e depois ajudar a comunidade”, como vários disseram. Foi o começo do trabalho que deve durar pelo menos um ano e será o modelo que depois poderá ser aplicado em outras cidades do País.

“Acho que um dos diferenciais desse projeto é que aqui a conversa é de aluno para aluno. Somos jovens, vivemos mais ou menos as mesmas realidades, a linguagem é parecida, tudo isso facilita o envolvimento”, comenta Silmara Rondon, de 21 anos, aluna de Fonoaudiologia. “Muitos professores ainda têm dificuldade em falar sobre educação sexual, por exemplo, com seus alunos. O estudante de ensino superior não tem problema com isso. Ele desmitifica o assunto”, complementa Chao.

De fato, quando todos ganharam seus jalecos brancos era difícil reconhecer quem era quem entre os “jovens doutores” universitários e colegiais. As diferenças começaram a aparecer quando cada um assumiu seus postos. Silmara e mais três colegas se posicionaram na frente da sala de aula para discutir saúde bucal, enquanto os jovens de Tatuí sentava comportadamente nas carteiras.

Em uma dinâmica de mitos e verdades, os adolescentes foram desfazendo conceitos errados, como o que diz que a responsável pela limpeza dos dentes é a pasta, e não a escova. “Percebam que isso é a mesma coisa que jogar alvejante no chão e não esfregá-lo, não vai limpar”, explicou Érika Sequeira, cirurgiã-dentista que estava no suporte dos universitários.

O momento favorito foi quando professores e estudantes usaram um líquido vermelho para mostrar como os dentes de todos ali estavam sujos após o lanche da manhã. O chamado “evidenciador de placa” foi o suficiente para mostrar que a escovação estava vencida.

“Eu nunca tinha dado muita importância para o fio dental”, comentou ao final da aula Priscila Gonzalez de Miranda, de 16 anos. “Agora não vou deixar de usar, nem de pegar no pé da minha família”, emendou a aspirante a jornalista, que já sabe como unir a futura carreira com o aprendizado de Medicina: “É assim que eu vou divulgar o que aprendi.”

Aproveitando o gosto pessoal da estudante, os organizadores já recrutaram Priscila para fazer um programa sobre os tópicos aprendidos no primeiro treinamento para divulgar na emissora de rádio local. Os professores de ensino médio das duas escolas selecionadas em Tatuí também já começaram a ter idéias do que pode ser feito para divulgar noções de saúde.

O treinamento foi bem recebido pela cidade, mas um grupinho em especial ficou realmente feliz. São adolescentes que já tinham escolhido seguir carreiras da área de saúde. Eduarda já planeja como vai mobilizar a família: “Nas reuniões de domingo, vou explicar que não dá para ter preguiça na hora de escovar os dentes.”

Rafael Cantarino, de 16 anos, pensa em criar gincanas nas unidades básicas de saúde para instruir os usuários. “Nosso maior esforço agora tem de ser passar isso tudo para o próximo. O projeto morre se as pessoas não se envolverem”, disse.