Japonês amigo

O Estado de S.Paulo - Terça-feira, 6 de maio de 2008

ter, 06/05/2008 - 13h38 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

 Xico Graziano*

Chegou a K-5000, a máquina de colher laranja. Exposta na vitrine do Agrishow, lá estava ela, imponente, espantando os incrédulos. O surpreendente invento nasce com a marca do sucesso. Seu parente próximo, a colheitadeira de café, funciona há 30 anos. Maravilhas da engenharia agrícola.

O berço dessa surpreendente tecnologia mora em Pompéia, interior paulista. Lá vive Shunji Nishimura, um mito do empreendedorismo agroindustrial. Imigrante japonês, em 1948 ele fundou a Jacto, fábrica de implementos agrícolas. “Conserta-se tudo”, dizia a placa estampada em sua oficina original.

Naquela época, o algodão dominava o oeste paulista. A grande crise da mundial quebrara a economia cafeeira, abrindo as portas para novas atividades rurais. Durante, pelo menos, duas décadas, a cotonicultura iria capitanear o crescimento do interior. As regiões da Sorocabana e da Paulista, assim conhecidas graças ao ramal da estrada de ferro, tiveram no ouro branco seu alicerce econômico. Embora curto, um apogeu.

Extremamente suscetível às pragas e doenças, a cultura do algodão demanda forte dose de agrotóxicos em sua proteção. Muitos ainda se lembram que naqueles tempos os venenos agrícolas vinham em pó. Nesse ponto o obstinado Nishimura burilou sua criatividade com perícia mecânica. A primeira máquina polvilhadeira do Brasil surgiu utilizando um galão vazio de querosene, daqueles utilizados durante a Segunda Guerra Mundial. Árduos tempos.

Começa assim a história da empresa que, além de liderar o setor nacional, mantém negócios de exportação em 106 países. Curiosa é a origem do seu nome. Acontece que, utilizadas na lavoura para combater pragas, as polvilhadeiras baforavam uma nuvem de pó, assemelhando-se assim ao rastro de fumaça dos modernos aviões que riscavam os céus. Por analogia, batizaram as máquinas agrícolas “à jacto”.

Com o progressivo êxito da nova geração de defensivos agrícolas, diluídos em água, a Jacto lança, em 1966, seu famoso pulverizador costal. Máquina simples, manual, trazia a inovação, e a leveza, do plástico no tambor da calda de aplicação. Seu pioneirismo e utilidade a assemelham, no ramo dos automóveis, ao fusca. Quem não quis possuir um?

Na década de 1970 chegou novo desafio. Quem conta é o próprio Nishimura, hoje com 98 anos. Paulo da Rocha Camargo, então Secretário da Agricultura de São Paulo, o desafiou a desenvolver uma máquina para colher café. A idéia, aparentemente maluca, floresceu no gênio nascido em Kioto, fazendo-o rememorar o tempo que sangravam suas mãos na colheita dos cafezais em Botucatu, logo quando, fugindo da crise japonesa, aportou ao país em 1932. Dureza do trabalho rural.

Durante 6 anos, uma equipe de 20 engenheiros aperfeiçoou o projeto básico, baseado nas pequenas máquinas norte-americanas capazes de colher blueberry. Seu princípio reside na vibração. Hastes flexíveis, grandes o suficiente para penetrar na planta do cafeeiro, vibram fortemente, causando a derriça dos frutos. Estes, ao invés de caírem ao chão, como na colheita manual, são recolhidos e ensacados imediatamente. Rapidez e qualidade se combinam.

A colheitadeira de café, única no mercado mundial, causou compreensível espanto inicial. Sua inusitada operação irritava os incautos. A maioria dizia que as plantas de café sucumbiriam em poucas safras. Ou que o custo não compensaria nunca o investimento. Progressivamente, porém, as novas lavouras foram se instalando nas áreas planas do cerrado mineiro, propícias à mecanização, incorporando seu uso. Um sucesso, típico da economia de escala no campo. Já passam de mil máquinas em trabalho na moderna cafeicultura.

Vários outros produtos pioneiros da Jacto chegaram ao mercado. Foi também a empresa de Pompéia que primeiro lançou o conceito do pulverizador agrícola automotriz, uma mistura de trator com máquina agroquímica. Tradicionalmente, a aplicação de agrotóxicos nas lavouras advém de pulverizadores acoplados, ou melhor, puxados por tratores. Quer dizer, os implementos não se deslocam por conta própria.

Grandes áreas cultivadas, todavia, favoreceram especializar complexas máquinas pulverizadoras, autopropelidas. Olhadas de longe, elas se parecem com enormes gafanhotos, pernas altas, pneus grandes e finos, que andam na roça por cima das plantas, garantindo a fartura cuja falta angustia o mundo globalizado. Sem a engenharia mecânica, aí sim, grassaria a fome no mundo.

Em Ribeirão Preto, no recinto da espetacular feira de tecnologia agrícola, agricultores, técnicos e curiosos se aglomeram para olhar a máquina destinada à colheita dos laranjais. Para quem visualiza um pé de laranja, alto, carregado com frutas amarelas, parece incrível que aquele trambolho vá funcionar. Mas quem conhece a história da Jacto e de sua colheitadeira de café, entre outras geringonças, sabe que o rumo vitorioso está traçado.

Neste ano se comemora o centenário da imigração japonesa. Muitos eventos, bonitos certamente, serão realizados. Mais importante, porém, que os festejos, sempre efêmeros, importa ressaltar que os japoneses, que aqui chegaram para colher café naquele longínquo ano de 1908, ofereceram uma contribuição permanente à agricultura brasileira. O povo japonês é amigo da produtividade do solo.

Sua cultura, florescida na escassez da terra, se esconde por detrás do crescimento do cogumelo, da avicultura, das flores e frutas, da abertura do cerrado, da maquinaria agrícola. Sempre em cooperação, os japoneses emprestaram seu capricho, único, ao progresso do campo.

A história familiar do Shiro Nishimura comprova. Sem a Jacto a agricultura voava devagar.

*Secretário Estadual do Meio Ambiente