Ipen cria acelerador de partículas ‘portátil’

Folha de S. Paulo - 24/6/2003

ter, 24/06/2003 - 10h43 | Do Portal do Governo

Salvador Nogueira – Da Reportagem Local


Folha de S. Paulo – 24 de junho de 2003

Laser com pulso de altíssima potência desenvolvido em São Paulo
pode ter usos em medicina e pesquisas físicas

Enquanto consórcios internacionais escavam grandes túneis para construir poderosos aceleradores de partículas, uma equipe do Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), em São Paulo, está fazendo o seu sobre uma mesa de três metros de comprimento. Apesar das dimensões modestas, segundo seus realizadores, o potencial para pesquisas e aplicações é enorme.

O sistema é um laser, uma máquina capaz de emitir partículas de luz, os chamados fótons, de uma maneira organizada e contendo uma quantidade específica de energia. No caso do Ipen, o aparelho deve ser capaz de produzir pulsos da ordem de 1 terawatt. Para que se tenha uma idéia da potência, todas as fontes de energia artificial do planeta, somadas, trabalham com potência de pouco mais de 15 terawatts.

Mas não se engane. Enquanto o planeta inteiro trabalha constantemente nessa potência, o laser do Ipen só chega lá por uma fração mínima de segundo -cerca de um quatrilionésimo, para ser mais preciso. Se fosse diluída em um segundo, essa energia não seria tão impressionante assim.

Com um laser dessa potência, é possível atingir as intensidades chamadas relativísticas, em que a energia injetada no sistema é igual à que seria obtida com a conversão de sua massa (em sua teoria da relatividade, Albert Einstein demonstrou que matéria e energia são duas faces da mesma moeda, conversíveis entre si segundo a famosa fórmula E=mc²).

‘Com lasers dessa potência, podemos criar campos elétricos e magnéticos enormes, como o homem jamais produziu’, conta Nilson Dias Vieira Junior, pesquisador que coordena a equipe do Ipen. Ele conta que pulsos da ordem dos terawatts já são produzidos há tempos em caras instalações no exterior, mas somente agora a tecnologia está permitindo o barateamento e a compactação dos sistemas, permitindo que cientistas brasileiros fizessem uso de pulsos energéticos dessa magnitude. ‘É uma redução de três ordens de grandeza -mil vezes mais barata’, diz Vieira Junior.

Não que seja uma pechincha: o projeto, financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), já consumiu, desde seu início em 2001, cerca de US$ 1 milhão. A equipe agora está trabalhando na conclusão do protótipo, que deve estar em operação até o final do ano.

Os usos para pulsos de laser dessa potência são os mais variados. Para começar, com eles é possível investigar eventos atômicos na escala dos atossegundos -em que até mesmo movimentos dos elétrons em volta do núcleo se tornam sondáveis. Pesquisas com pulsos em atossegundo estão na fronteira da novidade científica -os primeiros resultados publicados no mundo a respeito foram apresentados no ano passado.

Também há potenciais aplicações mais práticas. Por sua curta duração, os pulsos podem ser usados para cortar matéria orgânica e inorgânica sem produzir aquecimento -portanto, evitando danos ao material a ser manipulado. O sistema pode ganhar espaço na medicina, ajudando a remover tecido necrosado (morto) de ferimentos gerados por queimaduras sem danificar as regiões sadias e pode até ser eficiência na extração de cáries dentárias. A tecnologia também pode produzir radiografias mais nítidas e ajudar a investigar e manipular biomoléculas, como proteínas. ‘Há uma infinidade de potenciais usos’, diz Vieira Junior.