Investimento no serviço de saúde

Gazeta Mercantil - Quarta-feira, 28 de janeiro de 2004

qua, 28/01/2004 - 10h41 | Do Portal do Governo

* Luiz Roberto Barradas Barata

É com um misto de expectativa e pragmatismo que apostamos em 2004 como o ano decisivo para o Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. Para entender: este é o ano em que União, estados e municípios atingem, teoricamente, o porcentual máximo de investimento em saúde definido pela Emenda Constitucional n 29/2000.

A lei estabelece que o governo federal deve aplicar o mesmo porcentual do ano anterior acrescido da variação do Produto Interno Bruto (PIB). Já as esferas estaduais e municipais devem destinar, respectivamente, 12% e 15% de suas receitas orçamentárias para a área da saúde. O aumento foi estabelecido como progressivo a cada ano, até alcançar em 2004 o teto que foi definido pela legislação.

Se, por um lado, esta é indubitavelmente uma boa notícia, por outro causa-nos extrema preocupação a postura de alguns governantes, que vêm procurando sistematicamente descumprir a emenda e investir aquém do mínimo necessário para poder garantir o acesso universal da população aos serviços básicos de saúde.

Importante notar, entretanto, que esse quadro não é geral. Falando por São Paulo, podemos afirmar, com certa ponta de orgulho, que o estado investiu em saúde, nos últimos quatro anos, sempre mais do que o exigido pela legislação. O orçamento da saúde deu um salto, de R$ 4,1 bilhões em 2003 para R$ 4,8 bilhões neste ano, acompanhando a progressividade determinada pela emenda constitucional.

Com esse incremento constante, foi possível, ao longo dos últimos anos, a inauguração de 15 novos hospitais, a ampliação da assistência farmacêutica gratuita através do programa Dose Certa e da distribuição de medicamentos de alto custo, além do fundamental auxílio financeiro às santas casas do estado, que receberam do governo paulista, nos últimos oito anos, cerca de R$ 800 milhões para o custeio e os novos investimentos.

Tudo isso permitiu um avanço sem precedentes nos indicadores de saúde do estado, onde a esperança de vida atingiu 70 anos, a mortalidade infantil caiu para 14 crianças para cada 1.000 nascidas vivas e onde há mais de 180 cidades com mortalidade infantil menor do que 10 por 1.000, ou seja, média equivalente a índices de países europeus.

Paralelamente, e na ordem do dia, está a necessidade de melhorar a remuneração das consultas, cirurgias, exames e outros procedimentos realizados pelo SUS. A defasagem na tabela do Ministério da Saúde tem levado hospitais, sobretudo as santas casas e entidades beneficentes – alguns dos quais em situação pré-falimentar -, a suspender ou reduzir internações, prejudicando aquelas milhares de pessoas que têm a rede pública de saúde como sua única possibilidade viável de atendimento.

Diante do desemprego crescente e do cenário de retração da economia, cada vez mais brasileiros estão migrando para o SUS. Precisam, evidentemente, de atendimento ágil e de qualidade, o que é impensável sem a correspondente justa remuneração dos hospitais e entidades que atualmente atendem ao sistema.

Igualmente vital, conforme discussões exaustivamente mantidas durante a última Conferência Nacional de Saúde, em Brasília, é a necessidade de ampliar os recursos destinados à área da atenção básica. Vivemos hoje uma espécie de ‘inversão de valores’ na rede pública de saúde, em que um número expressivo de pacientes é encaminhado, por vezes desnecessariamente, aos níveis de média e alta complexidade, o que traz dois inconvenientes ao SUS: lentidão e custos mais altos.

Nas Unidades Básicas de Saúde das cidades paulistas é comum a falta de clínicos gerais e de médicos de família. As consultas também costumam ser demasiadamente rápidas. Não são raros os casos, por exemplo, em que um paciente com uma simples tendinite é encaminhado, sem uma real necessidade, a um ortopedista num hospital regional ou a um complexo exame de ressonância magnética.

A conseqüência inevitável é que os usuários do SUS passam a viver uma verdadeira via-crucis, tendo de se deslocar a outras cidades, quando o problema poderia ser muito bem resolvido com um atendimento primário de qualidade em seu próprio município.

A lentidão causada pelo inchaço dos níveis de média e alta complexidades pode comprometer a pronta recuperação desses pacientes. Tornou-se imperativo e urgente corrigir essa distorção.

Assim como a imensa maioria dos profissionais de saúde deste país, depositamos nossas esperanças no SUS. Os brasileiros que já utilizam a rede pública aprovam o sistema, que tem um índice de satisfação de 72% dentre aqueles que foram internados ou já tiveram um familiar internado.

Depois de 15 anos de existência, o SUS precisa, além de mais recursos, da efetiva integração e sintonia entre as três esferas de governo para se consolidadr, de fato, como o maior, mais democrático e melhor plano de saúde do Brasil.

* Luiz Roberto Barradas Barata é médico sanitarista e secretário estadual da Saúde de São Paulo