InCor é palco de 20 cirurgias/dia

Folha de S. Paulo, domingo, 26 de agosto de 2007

dom, 26/08/2007 - 11h05 | Do Portal do Governo

Folha de S. Paulo

RENATA DE GÁSPARI VALDEJÃO

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA NO MOMENTO em que a reportagem entrou na sala 9 do centro cirúrgico, passava das 10h, e o paciente já estava preparado, com o peito aberto, revelando o coração. Era um bebê de quatro meses, que seria operado pelo cirurgião Miguel Barbero Marcial. A Folha acompanhou a médica-assistente Carla Tanamati na sala. Ela iniciaria os procedimentos mais complicados antes da chegada de Marcial. O coração do bebê tinha uma comunicação entre os ventrículos direito e esquerdo que comprometia o funcionamento do órgão.

Essa comunicação permitia a passagem de sangue de um lado para outro dos ventrículos. Era preciso fechar essa passagem.

Como preparação, o coração, que até então batia, foi conectado a vários tubos, ligados a um equipamento que desviaria o sangue e teria duplo papel durante a cirurgia: oxigenar (como os pulmões) e bombear (como o coração) o sangue de volta ao corpo, processo chamado de circulação extracorpórea.

Motivo: o coração teria de parar durante o procedimento, em que um retalho de pericárdio (tecido que reveste o coração) bovino seria costurado, com incrível perícia, na abertura que causava o problema. Nos monitores de sinais vitais, o batimento cardíaco está um pouco acima de 100. Baixa para 60, para 38 e, em seguida, desaparece. Começa a cirurgia.

Muita gente não sabe, mas boa parte das doenças cardíacas pediátricas é tratada no InCor, apontado na pesquisa Datafolha como o melhor hospital de São Paulo em cardiologia por 50% dos especialistas na área. Em segundo lugar, vem o Hospital do Coração (31%).

“Existem pessoas que pensam que criança não sofre do coração”, afirma Celia Yukiko Osato, enfermeira-chefe da unidade clínica de cardiologia pediátrica e cardiopatias congênitas do adulto do InCor.Cura espontânea

E muitas sofrem. O departamento de cirurgia cardíaca pediátrica da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular estima em mais de 28 mil casos por ano. “Em 20% deles, a cura é espontânea”, diz Ulisses Croti, presidente da entidade.

Os que precisam de cirurgia são 23 mil. Foram operados, em 2004, 7.851 pacientes, o que indica déficit de 66% no país. “É uma vergonha”, fala Croti. Em São Paulo, diz a Sociedade Brasileira de Cardiologia, os casos são divididos entre InCor, Hospital do Coração e Universidade Federal de São Paulo.

No InCor, o financiamento da assistência é múltiplo, o que, segundo o diretor da divisão de cirurgia e presidente do Conselho Diretor, Noedir Stolf, assegura sua qualidade. “Temos dotação orçamentária [do Estado] que garante o básico, além de outras fontes de verba, que incluem assistência particular, fomento a pesquisas e estudos de empresas e laboratórios.”Superavitário

Segundo ele, o InCor, hoje superavitário, tem, além de 16 laboratórios e centros de pesquisa, um centro cirúrgico com 14 salas, onde ocorrem 20 cirurgias a cada dia.

Já o setor de Celia, por exemplo, é recém-reformado e terá até 70 pacientes quando vier a verba que está para ser liberada pelo Estado. Hoje tem 14 leitos na UTI e 16 na enfermaria, por enquanto, só com crianças.

Do total de pacientes do instituto, 80% são atendidos pelo SUS. Outros 20% são particulares ou têm convênios. A verba desses 20% sustenta 50% da receita do hospital. E o volume de doentes é grande: são feitas cerca de 260 mil consultas, mais 12,5 mil internações e acima de 4.500 cirurgias por ano.

“Recebemos pessoas com doenças raríssimas em quantidade grande. Isso, para a pesquisa, é muito bom”, afirma Jorge Kalil, diretor do laboratório de Imunologia do InCor.Ensino

Perto de fazer 30 anos, o Incor atua em cardiologia clínica, cirurgia cardiovascular, pneumologia clínica e cirurgia de tórax. Cerca de 540 alunos de medicina, 86 residentes, 15 estagiários e 174 profissionais em estágios de longa duração passam lá ao ano. “Fora os de outras universidades”, diz Stolf.

No ambulatório de hipertensão, vários deles trabalhavam no dia da visita da Folha. Jupira Ferreira, paciente do SUS, era atendida pelo cardiologista e professor da graduação e da pós Heno Lopes, após já ter feito exames. Sua pressão andava alta, foi o diagnóstico. Foi pedida uma ressonância, mas uma fobia impediu que ela enfrentasse o aparelho.

Auscultando seu abdômen, Lopes detectou sopro renal que poderia ser a causa do problema. De imediato, chamou um residente para ouvir o sintoma. Jupira foi embora feliz: não precisaria mais da ressonância.

Depois, Lopes visitou paciente internada havia três dias num amplo quarto particular, em outro andar. “Dá para morar aqui, de tão confortável”, afirmou ela. “Sou de Minas. Nunca pensei em trabalhar em São Paulo. Mas o clima de trabalho, a tranqüilidade da chefia e a chance de oferecer tratamento de qualidade às pessoas carentes me cativaram”, relatou Lopes, que atua no InCor há 20 anos.Final feliz

No fim da visita da reportagem, na UTI do InCor, os pais do bebê operado pela manhã observavam o menino, sedado, dormindo tranqüilamente.