HC cria projeto para aliviar a dor infantil

Folha de S.Paulo - Quinta-feira, 5 de março de 2009

qui, 05/03/2009 - 9h58 | Do Portal do Governo

Folha de S.Paulo

O Hospital das Clínicas da USP de Ribeirão Preto criou um programa inédito no país para identificar, avaliar e tratar a dor infantil. O projeto será desenvolvido em parceria com um grupo canadense, referência mundial no manejo da dor na infância e na adolescência.

Estudos têm demonstrado que os médicos subestimam e não tratam de forma correta a dor das crianças, especialmente a dos bebês. No ano passado, uma pesquisa britânica monitorou a atividade cerebral de recém-nascidos e concluiu que eles demonstram a dor não só quando choram mas também quando dobram os pés e pernas, arqueiam as costas e esticam os dedos, por exemplo.

Expressões faciais, como caretas, olhos espremidos e testa franzida, também são sinais de que os bebês estão sentindo dor. Os pesquisadores também demonstraram, por meio das imagens cerebrais, que alguns bebês prematuros tinham reações cerebrais associadas à dor, mas não a expressavam por meio de respostas físicas.

No Brasil, vários hospitais avaliam e tratam a dor por meio de protocolos internacionais, mas a maioria das iniciativas é isolada e não consegue integrar todas as áreas médicas. Não há um programa nacional que padronize as rotinas e dê treinamentos às equipes de saúde.

O projeto desenvolvido no HC de Ribeirão visa justamente mudar esse panorama. Segundo Maria Beatriz Linhares, professora da Faculdade de Medicina da USP-Ribeirão, o projeto pretende integrar todas as áreas do HC que atendem crianças e estabelecer uma linguagem única na identificação e tratamento da dor.

“Várias áreas do HC avaliam e tratam a dor, mas é preciso estabelecer uma articulação entre elas, manter uma avaliação sistemática com instrumentos adequados a cada tipo de dor.”

Linhares explica que há diferentes tipos de dor, que podem estar relacionados à própria enfermidade ou aos procedimentos médicos. “A criança sofre duplamente, com a enfermidade e com a dor aguda dos procedimentos.”

O projeto do HC tem como parceiro o médico canadense Gordon Allen Finley, referência mundial na área da dor. Ele já desenvolveu projetos semelhantes na Jordânia, na China e na Tailândia. Os recursos iniciais do projeto vieram de uma agência de fomento canadense.

Atualmente, está sendo feito um retrato (com questionários) de como a dor infantil é tratada no HC e em outros hospitais da cidade, sob o ponto de vista dos profissionais de saúde, das crianças e dos pais.

“Precisamos conhecer de perto como a dor é tratada hoje para propor mudanças. Todo profissional de saúde sempre teve no alívio da dor o principal objetivo. Mas, com tanta tecnologia, nos distraímos um pouco em relação a isso”, afirma o neurologista José Geraldo Speciali, coordenador do ambulatório de cefaleia do HC e um dos coautores do projeto.

Speciali diz que a dor não tratada corretamente fica marcada no inconsciente da criança e cria situações que se manifestam na fase adulta.

Recém-nascidos

Maternidades que têm tradição em programas para minimizar a dor do recém-nascido, como a Pro Matre/Santa Joana, adotam uma série de medidas para evitar a dor e o estresse nos recém-nascidos, entre elas, manipular o mínimo o bebê e concentrar todos procedimentos em um só horário.

Outra prática, segundo Silvana Darcie Maccagnano, uma das médicas responsáveis pela UTI neonatal do Santa Joana, é a hora do “psiu”, um momento de descanso em que fica proibido mexer no bebê -a não ser em casos de emergência.

Segundo a neonatologista Rita Balda, médica-assistente da Universidade Federal de São Paulo, um dos grandes desafios hoje no país é conseguir detectar e tratar a dor do recém-nascido. “Os médicos ainda temem dar analgésicos ao bebê. Mas os riscos são minimizados quando há treinamento e essas drogas são bem utilizadas.”