HC começa estudo para classificar o amor excessivo como doença

O Estado de São Paulo - Domingo, dia 2 de julho de 2006

dom, 02/07/2006 - 11h46 | Do Portal do Governo

Iniciativa inédita começa em agosto. Hoje, quem sofre do suposto problema tem apenas os sintomas tratados

Adriana Dias Lopes

A partir da primeira semana de agosto, um grupo de psiquiatras, psicoterapeutas e nutricionistas do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC) vai começar um trabalho inédito na medicina: o de tentar classificar o amor exagerado como doença.

“Até hoje, o problema foi tratado pelos sintomas, como depressão e ansiedade, ou em grupos de auto-ajuda”, diz a psicoterapeuta Eglacy Sophia, de 39 anos, do Instituto de Psiquiatria do HC. “Essas formas de cuidar não deixam de ser eficazes, mas, cientificamente, o problema nunca foi tratado. Na verdade, não sabemos ainda se o amor patológico está, de fato, ligado a uma dependência, a uma compulsão ou a qualquer outro transtorno.”

Caso cheguem a um consenso médico de que o amor extremado se trata mesmo de uma patologia específica, ela poderá ser incluída na Classificação Internacional de Doenças Mentais (CID), a bíblia dos psiquiatras.

VOLUNTÁRIOS

O recrutamento dos voluntários para a pesquisa começou há menos de um mês. Até agora, 20 já entraram no protocolo de pesquisa. Mas, certamente, haverá fila de espera.

A cada dia, seis novos candidatos aparecem. Só dois grupos de trabalho, cada com um número de dez a 20 pessoas, serão criados no início. “Não vamos deixar ninguém sem assistência, queremos fazer grupos de acolhimento para o voluntário que espera para entrar na pesquisa não ficar em casa e receber atenção.”

Para participar, o candidato deve ter mais de 18 anos e estar num relacionamento de dependência de pelo menos três meses, conturbado, destrutivo e sentindo que não consegue nem melhorar e muito menos sair da relação. Serão 16 sessões, uma por semana, com tratamentos em grupos ou individuais.

DEPENDÊNCIA

Muito pouco se sabe do amor patológico. Nem um título específico o problema tem. Não há estatísticas, mas “sempre alguém vai lembrar de um amigo que passa por isso ou está envolvido com uma pessoa assim”, como diz Eglacy.

Diferentemente do que alguns pensam, não existe relação com aqueles que dizem só saber viver apaixonados. De acordo com a psicoterapeuta, os “sempre apaixonados” não criam vínculos. Quem sofre de amor patológico vive o oposto disso, na verdade. “Ele se fixa no parceiro. É como se fosse uma dependência química, com sintomas de abstinência, como taquicardia, até com uma simples ausência do outro.”

Eglacy sabe bem o que diz. Trabalhou durante dez anos justamente com dependentes químicos. Até o dia em que um voluntário levou o irmão e o apresentou à psicoterapeuta como dependente da parceira. Ela ouviu a história do rapaz e mergulhou no assunto.

O trabalho é do Ambulatório do Amor em Excesso (Amore), ligado ao Ambulatório dos Múltiplos Transtornos do Impulso (Amiti), do Instituto de Psiquiatria do HC.