HC adotará protocolo mais rigoroso para ex-pacientes de câncer infantil

Instituto especializado ligado ao hospital quer monitorar pacientes a partir de 1 ano e meio após cura, em vez de 3

dom, 01/07/2007 - 9h05 | Do Portal do Governo

O Estado de S. Paulo

O futuro de Manoela Pacífico Segredo começou a ser definido quando ela ainda era muito pequena. Dos 4 aos 8 anos, conviveu com a rotina de tratamentos contra o tipo mais comum de câncer infantil – a leucemia. Sessões de radioterapia, quimioterapia e períodos de internação fizeram parte de sua rotina. O que poderia afastar qualquer pessoa de um hospital estimulou a menina a se tornar pediatra.

Hoje, com 26 anos, Manoela continua indo ao hospital não apenas para trabalhar. Curada e sem nenhum tipo de seqüela da doença, passa pelo Instituto do Tratamento do Câncer Infantil (Itaci), ligado ao Instituto da Criança do Hospital das Clínicas (HC), uma vez a cada dois anos para ser acompanhada por uma equipe multidisciplinar do Ambulatório Fora de Terapia.

Dependendo do caso e das conseqüências deixadas pelo tratamento, no entanto, a freqüência das consultas pode ser maior. Criado em 1990, o ambulatório faz o acompanhamento dos casos após três anos do final do tratamento contra o câncer. “No começo, o paciente é visto nos ambulatórios regulares, pois o risco de ter uma recaída é maior”, explica a oncopediatra Ana Lúcia Cornacchioni.

A finalidade do ambulatório também é monitorar os efeitos tardios do tratamento para esses pacientes. O que hoje é feito três anos após a cura do paciente, no início era feito depois de cinco anos. A intenção dos médicos do Itaci é mudar novamente esse protocolo e reduzir ainda mais esse período, até o final de 2007, para uma ano e meio.

“Isso vai permitir que as possíveis seqüelas possam ser vistas e tratadas de forma integral mais precocemente”, diz Ana Lúcia. Problemas neurológicos, como déficit de atenção, endocrinológicos, como de crescimento, e disfunções sexuais e de fertilidade são mais complexos na infância e adolescência, fases de crescimento. Daí a importância do acompanhamento para tratá-los o mais rápido possível.

No caso de Manoela, como ela mesmo revela, a única conseqüência foi “ter se tornado médica”. Mas nem todos os pacientes passam pelas sessões de radioterapia e quimioterapia sem sofrer efeitos anos mais tarde.

Esse foi o caso da pedagoga Fernanda de Melo Yoshida, de 24 anos. Com 2 anos, no mesmo dia em que seu irmão mais novo nasceu, seu pai recebeu de um médico o diagnóstico do que a menina tinha leucemia linfóide aguda (LLA). O tratamento, feito no Instituto da Criança, se estendeu até os 5 anos.

Em uma das muitas sessões de quimioterapia, o medicamento causou um reação inesperada e a garota ficou internada durante cinco dias na UTI, em estado de choque. “Quando somos crianças, o sofrimento é mais físico e menos psicológico”, diz Fernanda. O sofrimento psicológico começou anos depois, junto com os efeitos tardios do tratamento. Fernanda tem apenas 1,50 m de altura – um dos prováveis efeitos das sessões de radioterapia.

Aos 10 anos, ela passou a apresentar sinais de alterações hormonais. Com essa idade, já usava sutiã e teve sua primeira menstruação. “Na escola, tinha muitos apelidos”, conta. “Só usava roupas largas. Parecia um moleque.” Outro problema foi a dificuldade de se concentrar e acompanhar aulas, também um dos possíveis efeitos do tratamento. “Minha mãe teve de gastar muito dinheiro com professores particulares”, diz.

Como Manoela, Fernanda se valeu da experiência vivida na infância em sua vida profissional. Após se formar em Pedagogia, fez uma especialização em Psicopedagogia em que apresentou como trabalho de conclusão de curso uma monografia sobre as dificuldades em sala de aula dos alunos com leucemia. “Fala-se muito em educação inclusiva, mas, na maior parte das vezes, o professor não está pronto para receber um aluno como esse nas aulas.”

Hoje, Fernanda é examinada pela equipe multidisciplinar do ambulatório uma vez a cada dois anos. O mesmo acontece com Fábio Augusto Carvalho, artista plástico de 29 anos. Curado da leucemia, enfrentou o mesmo problema de déficit de atenção. “Tinha muita dificuldade para entender as matérias”, diz.

CURA MAIS FREQÜENTE

Uma estimativa amplamente aceita pelos médicos é de que a cura dos casos de câncer infantil irão continuar acontecendo com freqüência cada vez maior. A leucemia, que até a década de 80 não tinha chances de cura muito superiores a 20% dos casos, chega hoje a 80% . Vicente Odone, coordenador clínico do Itaci, explica que a evolução nos tratamentos proporcionou não apenas maior probabilidade de cura como também menos efeitos colaterais tardios. “Na década de 70, a radioterapia para a prevenção (da doença) do sistema nervoso central era indicada em 100% dos casos de leucemia linfóide aguda”, diz. “Hoje não passa de 5% dos casos.”

Batizado de Grupo de Estudos Pediátricos dos Efeitos Tardios do Tratamento Oncológico, ou apenas Gepetto, o Hospital do Câncer A.C. Camargo desenvolve trabalho semelhante ao do Itaci. Em oito anos de funcionamento, o ambulatório já atendeu cerca de 900 pacientes curados pelo hospital. “Nosso paciente mais velho tem 57 anos e já é avô”, diz o médico Luiz Fernando Lopes, idealizador do trabalho.

Uma das pacientes do Gepetto é a digitadora Elizandra Venâncio de Oliveira, de 25 anos. Aos 5, ela teve um câncer ósseo que resultou na amputação de sua perna esquerda. Nesta semana, ela voltará para sua bateria anual de exames e consultas no hospital.

Elizandra mora em Juquitiba, região metropolitana da capital, e nos dias de consulta é obrigada a faltar ao trabalho. Mesmo assim, faz questão de não perder. “A saúde está muito complicada por aí e o meu plano de saúde é o SUS”, afirma.