O Estado de S.Paulo
Foram quatro meses e meio de ensaio em que os 17 atores e os quatro músicos (que se apresentam ao vivo) reviveram uma rotina típica do grupo Ornitorrinco. ‘Além de trabalhar a interpretação, tivemos aulas também de luta livre além, é claro, das cenas circenses’, conta Christiane Tricerri, que vive a megera Catarina, mulher que, graças ao comportamento incontrolável, afasta qualquer pretendente a marido. ‘Ela briga verbal e fisicamente com todos, daí a necessidade de ter uma noção de luta.’
Foi Christiane, que integra o Ornitorrinco há mais de dez anos, quem sugeriu a montagem de A Megera Domada para marcar os 30 anos da companhia. ‘Além do texto engraçado, a peça permitia que o grupo exercitasse a commedia dell’arte e reunisse muitos atores em cena, reservando espaço também para os acrobatas’, conta a atriz, que vê em Catarina um papel ideal. ‘Fui uma adolescente brigona, daquelas que jogava futebol com os meninos. Assim, não é difícil interpretar toda a sua ira.’
Em cena, ela usa um figurino punk, com os cabelos espetados, visual que contrasta com o de Bianca (Maureen Miranda), a suave irmã de Catarina, pretendida por todos os solteiros da cidade italiana de Pádua, onde se passa a história. ‘Não planejávamos fazer um levantamento de todas as qualidades do grupo na peça, mas é verdade que ali estão muitos dos detalhes que tornaram o Ornitorrinco um grupo único’, conta Cacá Rosset, que vive Petrúquio, o esperto rapaz que não apenas dobra a fúria de Catarina como também a domestica a ponto de realizar todos os seus desejos. ‘Na verdade, ele pensa que domina, pois Catarina faz seu jogo e ela conquista tudo o que pretende’, diverte-se Christiane, fomentando a guerra de sexos que revela a sagacidade de Shakespeare em pregar a ‘boa união entre os sexos’.
Rosset conta que levou meses traduzindo o texto original, em busca da embocadura correta – na verdade, atrás das frases que se tornam naturais nas montagens do Ornitorrinco e sua vocação anárquica. Assim, há momentos para brincadeiras que ganham mais colorido para quem conhece a história do grupo. É o caso, por exemplo, da cena em que Petrúquio/Rosset interrompe a orquestra. ‘Stop the music!’, ele diz, duas vezes. ‘É uma homenagem a Ubu, um dos nossos maiores sucessos, que diz a mesma frase’, diverte-se.
Também não podiam faltar as cenas de nudez feminina, em que as atrizes desfilam com os seios descobertos, outra característica do Ornitorrinco – se há 20 anos provocava alvoroço na censura, hoje despontam como brincadeira safada. ‘É uma referência à malícia dos anos 1940, das coristas de cabaré – na verdade, uma nudez delicada, ingênua até’, observa Rosset.
O tom de farsa, aliás, predomina na montagem. ‘Mas é uma farsa inteligente, que está no texto de Shakespeare e que se encaixa perfeitamente no jogo de brincadeira que o Ornitorrinco propõe à platéia’, observa o ator Rubens Caribé, que representa Lucêncio, um dos pretendentes de Bianca. Um jogo que Cacá Rosset confessa levar tempo para desfrutar, cerca de duas semanas a partir da estréia. ‘Como também dirijo o espetáculo, fico, nas primeiras apresentações, analisando os detalhes que não dão certo: a luz que entra errada, uma entrada atrasada em cena. Daí minha vontade de não mais interpretar.’ Puro jogo de cena – Rosset sabe que, para chegar aos 40 anos, o Ornitorrinco exige sua presença no palco.
Serviço A Megera Domada. 100 min. Livre. Teatro Sérgio Cardoso (856 lug.). Rua Rui Barbosa, 153, Bela Vista, tel. 3288-0136. 6.ª, 21h30; sábados, 21 h; e domingos, 19 h. R$ 20. Até 31/8 As Peças
1977 – Os Mais Fortes (Strindberg)
1977 – Ornitorrinco Canta Brecht e Weill
1982 – Mahagonny Songspiel (Brecht/Weill)
1984 – O Belo Indiferente (Cocteau)
1984 – A Pororoca (performance)
1985 – Ubu, Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes (Alfred Jarry)
1987 – Teledeum ( Boadella)
1988 – A Velha Dama Indigna
1989 – O Doente Imaginário (Molière)
1991 – Sonho de Uma Noite de Verão (Shakespeare)
1992 – Amor de Dom Perlimplim com Belisa em Seu Jardim (García Lorca)
1993 – Tudo de Uma Vez (remontagem de O Belo Indiferente)
1994 – A Comédia dos Erros (Shakespeare)
1995 – La Chunga ( Llosa)
1996 – Quíntuplos (Luís Rafael Sánchez)
1998 – O Avarento (Molière)
2000 – As Artimanhas de Scapino (Molière)
2006 – O Marido Vai à Caça! (Feydeau)
2008 – A Megera Domada (Shakespeare)