Grupo cria vacina contra inseto nacional

Folha de S. Paulo - São Paulo - Segunda-feira, 22 de novembro de 2004

seg, 22/11/2004 - 9h06 | Do Portal do Governo

Cientistas mapearam espécies que mais picam no Sudeste, como a abelha, a formiga lava-pé e a vespa paulistinha

CRISTINA AMORIM
FREE-LANCE PARA A FOLHA

‘A biodiversidade nos torna ricos, mas temos de aprender a lidar com ela.’ A frase poderia sair da boca de qualquer ecologista brasileiro, mas foi dita pelo bioquímico Mário Sérgio Palma, da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Rio Claro, no interior de São Paulo. Palma faz parte de um grupo de cientistas que cria vacinas contra o veneno de insetos endêmicos campeões de picada no Brasil, como a formiga lava-pé, as vespas paulistinha e cassununga e a abelha.

Até agora, eles seqüenciaram proteínas das 20 espécies de insetos que mais picam na região Sudeste e mapearam de seis a nove alérgenos, que geraram os antídotos, testados atualmente em alguns hospitais universitários em São Paulo, Distrito Federal e Minas Gerais. O índice de eficácia no tratamento dos quadros alérgicos e na segurança é de 99%.

Além dos extrato dos venenos, os hospitais recebem caixas com exemplares dos bichos, para que a vítima identifique corretamente o inseto antes de receber o tratamento no pronto-socorro.

Visualizando a aprovação do material em cerca de um ano pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a rede de instituições envolvidas no projeto analisa a produção das vacinas em larga escala pelo Instituto Butantan e a ampliação da pesquisa para outras regiões. Segundo o pesquisador, a produção nacional das vacinas custaria de cinco a 15 vezes menos para o país, que hoje importa os kits de tratamento.

‘Temos capacidade de sintetizar os peptídios [fragmentos de proteína] que causam alergia, que podem ser usados para o diagnóstico’, diz Palma. ‘É um avanço dominar a tecnologia e não precisar pedir socorro a outros países.’

Menos de 1% das pessoas que notificam picadas morrem por choque anafilático -no ano passado, foram sete no Estado de São Paulo, diz Palma. Porém, calcula-se que entre 4% e 12% da população é hipersensível ao veneno. A estimativa é que 2004 termine com cerca de 10 mil casos no Brasil, ainda que a maioria não chegue a visitar um centro de saúde.

Dois pesos, duas medidas

Tradicionalmente, os kits usados nos hospitais para tratar os pacientes são importados do hemisfério Norte e contêm uma mistura de antialérgicos contra o veneno dos insetos mais comuns por lá. Acontece que, só de vespas, há 26 espécies conhecidas acima da linha do Equador. Por aqui, há 26 gêneros -o que dá em torno de 500 espécies.

Nem todas picam, mas a diferença entre os números mostra a incompatibilidade entre o tratamento médico corrente e a realidade brasileira. O número elevado de espécies é equivalente a uma quantidade alta de agentes que causam alergia. ‘Tínhamos de desenvolver antídotos para cada gênero e, portanto, conhecer a natureza bioquímica dos insetos.’

No caso das abelhas, os kits importados são efetivos no Brasil, pois há poucos gêneros no mundo. Ainda assim, a equipe também desenvolveu a tecnologia para produzir a vacina.