“Greves do Metrô e da USP foram estúpidas”

O Globo - Domingo, 8 de julho de 2007

dom, 08/07/2007 - 16h03 | Do Portal do Governo

O Globo

Ao completar seis meses no cargo, governador de SP admite disputar o Planalto em 2010, mas não descarta tentar reeleição

Ao completar seis meses no governo de São Paulo, José Serra (PSDB) não descarta disputar novamente a Presidência da República em 2010, apesar de dizer que tentar a reeleição também é uma opção. Diz que está feliz no cargo, apesar da complexidade do estado e de uma imprensa que cobra muito, numa leve estocada em seu possível concorrente no PSDB para ser o candidato a presidente, o governador de Minas, Aécio Neves. Evita ataques ao antecessor Geraldo Alckmin – até sobre a cratera do Metrô, que desmoronou logo após sua posse, afirma que é normal herdar coisas boas e ruins. Serra não mede palavras, porém, ao falar de outros dois problemas que enfrentou: a invasão da reitoria da USP e a greve do Metrô. Nos dois casos, chama de estúpidos os movimentos. E diz que o problema principal do estado não é a violência, mas o desemprego, numa crítica ao governo Lula.

Logo que o senhor assumiu, houve o desmoronamento da obra do Metrô, aquela enorme cratera, um problema herdado do governo anterior…

SERRA: Quando a gente sai do governo, acaba deixando problemas para o sucessor. É normal herdar coisas boas e ruins.

Esse foi o fato mais desagradável que o senhor teve que enfrentar em seis meses?

SERRA: O momento mais desagradável foi aquela greve estúpida do Metrô por causa da emenda três. Houve até sabotagem de gente ligada ao Sindicato dos Metroviários. Um absurdo.

Foi pior do que a invasão da reitoria da USP por estudantes durante 51 dias?

SERRA: A invasão da reitoria foi estúpida, mas não teve o mesmo impacto, porque não afetou a vida da população.

Em algum momento, o senhor chegou a ter receio de que a polícia retirasse os estudantes e houvesse confronto?

SERRA: Apenas aguardamos uma solução pacífica, que seria menos custosa do que entrar e remover os estudantes. Mas a iniciativa a respeito do que fazer sempre esteve por conta da universidade.

Que lição o senhor tirou do episódio?

SERRA: Eu e muita gente lutamos pelo restabelecimento do estado de direito no Brasil. O que houve lá foi uma quebra do estado de direito. Uma coisa é manifestar, outra é quebrar a legalidade. Mas esse foi apenas um dos problemas. Começou como um movimento de reivindicações de moradia e outras questões específicas dos estudantes. Depois, incorporaram a história de supostos decretos do governo que atentariam contra a autonomia universitária. Mas tais decretos não existiam. Houve decretos que se referiam à administração pública como um todo e que repetiam o que diziam todos os decretos de anos atrás. Exceto que exigimos que a prestação de contas fosse em tempo real para toda a administração. Valia para o Poder Judiciário e a Assembléia Legislativa, que são poderes independentes, e incluía as universidades. Todos devem mostrar as contas em tempo real. Nenhum dos poderes reclamou.

O senhor acha que a autonomia universitária atrapalha a implantação de projetos que o senhor pretende adotar para mudar as universidades públicas em São Paulo?

SERRA: De forma alguma. A autonomia é administrativa, na docência e na pesquisa. Isso não implica que a universidade não deva colaborar com políticas públicas e até ampliar o acesso de estudantes mais carentes.

Há resistências à implantação de novos projetos para mudar a universidade? O corporativismo atrapalha?

SERRA: Não ajuda.

O decreto que criou a Secretaria de Ensino Superior não foi bem negociado com as universidades? O senhor faria tudo de novo?

SERRA: A secretaria eu criaria de qualquer maneira. Trata-se de uma idéia que havia no governo Montoro (1983-1987). As reitorias ficavam meio perdidas no Palácio do governo. Minha idéia é valorizar as universidades, e não o contrário. É uma forma de fortalecer a presença das universidades públicas estaduais. Mas veja bem: ensino superior em São Paulo não é só USP, Unesp e Unicamp. Há quase 40 núcleos universitários municipais. E 80% dos universitários do estado estão matriculados em faculdades particulares.

E os melhores momentos nestes seis meses?

SERRA: Vivo os melhores momentos quase todos os dias, sentindo o apoio às boas iniciativas, vendo a administração e os novos projetos caminharem rapidamente, apesar de termos apenas seis meses de governo.

É difícil governar São Paulo?

SERRA: São Paulo é um estado complexo, com uma imprensa absolutamente independente, tudo o que acontece aqui repercute nacionalmente. Aqui está um terço do PIB, uns 23% da população, os maiores aglomerados urbanos do Brasil. Temos muita riqueza e muita pobreza, muita politização, corporações fortes e selvagens. São Paulo sintetiza as contradições nacionais. Governar o estado é um belo desafio, sinto-me bem fazendo isso agora. Fácil não é.

No governo anterior, de Geraldo Alckmin, a segurança era o maior problema de São Paulo. Hoje, qual é o maior problema do estado, na avaliação do senhor?

SERRA: O desemprego. Este é o problema número um de São Paulo.

E o que o senhor pode fazer para amenizar isso?

SERRA: Turbinando toda a área de treinamento e qualificação de mão-de-obra. O programa mais importante que estou executando nessa área é aumentar o número de alunos nas escolas técnicas.

Por falar em desemprego, o senhor acha que o governo Lula vai conseguir crescimento de 5% ao ano?

SERRA: É possível. Eu desejo isso. Não sou do quanto pior, melhor. Quanto mais a economia crescer, melhor. O que acho um pouco exasperante é o Brasil não ter surfado a onda da prosperidade mundial. O governo Lula não fez nem a média (de crescimento) da América Latina, dos países em desenvolvimento. Ficamos para trás.

O que o senhor faria diferente?

SERRA: Eu teria tido uma política monetária e cambial diferente. Não teria estimulado o ingresso de dólares no país. Porque até hoje continua se estimulando isso. Por exemplo, investimento em títulos públicos para o capital estrangeiro é isento de Imposto de Renda. Essa é uma medida muito boa em época de crise cambial. Em época de prosperidade cambial, é simplesmente um equívoco.

Como está a sua relação com o presidente Lula? O senhor acaba de receber um bom dinheiro do governo federal para despoluir a represa do Guarapiranga…

SERRA: Do PAC, para São Paulo, tem cerca de R$ 7 bilhões. Mas R$ 2 bilhões são recursos do Orçamento federal. Os outros R$ 5 bilhões ou são do Tesouro estadual ou dos municípios, ou endividamento e crédito das empresas estaduais. Mas a ajuda federal é bem-vinda.

A sua relação está muito melhor com o prefeito Gilberto Kassab (DEM), não é?

SERRA:Nós trabalhamos cooperando um com o outro.

O senhor vai apoiar a reeleição de Kassab para prefeito no ano que vem?

SERRA: Se ele for o candidato da nossa aliança, sem dúvida eu o apoiarei. Acho desejável a manutenção da aliança do PSDB com os democratas.

E se o PSDB lançar Alckmin como candidato a prefeito, o senhor o apoiará?

SERRA: Sem dúvida. Quem vier a ser o candidato do meu partido, terá meu apoio, dentro das limitações do cargo.

A meta do senhor é ser candidato a presidente em 2010?

SERRA: Posso ser também candidato à reeleição. É uma possibilidade também. Eu não sou a favor da reeleição, mas não deixarei de disputar, se for o caso.

E o que vai impedi-lo de disputar a Presidência em 2010?

SERRA: Acho muito cedo para especular em torno de candidatura presidencial. Tenho apenas seis meses no governo de São Paulo. Quero fazer uma gestão que marque São Paulo, mas não por causa de 2010.

O senhor vai participar ativamente da campanha no ano que vem?

SERRA: Dentro das possibilidades do cargo, ajudarei os candidatos do partido a prefeito na campanha de 2008.

Como o senhor já foi vítima de dois dossiês (Cayman e Vedoin), qual a solução que vê para a crise ética?

SERRA: Não tem outra fórmula senão punir a quebra de ética, inclusive por meio do voto. Além disso, tem o papel da imprensa, que acho altamente positivo, independente deste ou daquele exagero.

Qual a solução para a crise ética, uma reforma política?

SERRA: Não há fórmula mágica. O principal instrumento é o voto. Precisa haver transparência. É indiscutível que uma reforma política ajudaria. Como acabar com a figura de suplente de senador. O voto distrital está ao alcance de todos, para valer já no ano que vem. Fazer voto distrital puro para cidades com mais de 200 mil eleitores. Em São Paulo, teríamos 50 e poucos distritos de 140 mil eleitores cada um. Isso diminuiria as despesas de um candidato em torno de dez vezes.

Como o senhor vê a crise que paralisa o Senado hoje?

SERRA: Não sou pessimista, apesar dos pesares. Mas está faltando no país o exemplo de gente como o Montoro, Covas, Richa. Ter mais gente com esse perfil ajudaria a política brasileira a ter mais ética. Não acho que no Brasil hoje tem mais corrupção do que tinha antes. O que aumentou é a descoberta dos casos, numa era de internet, de escutas, de investigação, de Imposto de Renda…