Gravidez de adolescentes tem cura

Folha de S. Paulo - São Paulo - Segunda-feira, 14 de março de 2005

ter, 15/03/2005 - 14h34 | Do Portal do Governo

Gilberto Dimenstein

Reunidas diariamente numa pequena casa de cem metros quadrados, quase escondida atrás de um centro de saúde, na cidade de São Paulo, adolescentes de famílias pobres participam de uma experiência em que aprendem a evitar a gravidez. A precariedade das instalações do programa, batizado de Casa do Adolescente, não reflete a grandiosidade dos resultados a que tem chegado.

Afinal, apenas 5% das jovens que freqüentam a casa ficam grávidas antes de completar 20 anos. É um expressivo contraste com a média nacional, que atinge os 26%.

Tradução dos 26%: todos os anos, 1 milhão de brasileiras muito jovens, a imensa maioria delas pobres, tornam-se mães ainda mais vulneráveis para continuar os estudos e educar os filhos.

Tradução dos 5%: já é conhecida a cura contra a epidemia da maternidade precoce.

Se a média nacional de partos precoces fosse de 5%, teríamos o seguinte: aproximadamente menos 950 mil brasileiras (cerca de 13 estádios do Maracanã superlotados) entre dez e 20 anos de idade seriam mães anualmente.

Menos 220 mil adolescentes não teriam, a cada período letivo, de deixar a escola para cuidar dos filhos. Pesquisas divulgadas na semana passada pela Unesco informam que, além de ser a terceira causa de morte de adolescentes, a gravidez precoce é a maior causa de evasão escolar entre as meninas.

A história da Casa do Adolescente teve início em 1996, quando professores da Universidade de São Paulo transformaram a moradia de um zelador de uma unidade básica de saúde num centro de referência da saúde para jovens.

Para dar um atendimento integral, a Casa do Adolescente contratou uma equipe multidisciplinar, com profissionais de fonoaudiologia, clínica geral, ginecologia, nutrição e urologia. Na casa, os jovens têm acesso não só a consultas médicas mas também á distribuição de pílulas anticoncepcionais, de camisinhas, de DIUs e das chamadas pílulas do dia seguinte.

A principal descoberta foi a de que o atendimento integral deveria ser mais do que oferecer consultas nas mais diversas especialidades e medicamentos. ‘O problema da gravidez precoce não é de informação. Os jovens sabem como a gravidez ocorre’, afirma a professora de ginecologia da Universidade de São Paulo, Albertina Duarte Takiuti, responsável pelo programa de jovens da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e principal idealizadora do centro de referência. Albertina já se viu obrigada a fazer partos em crianças de dez anos de idade.

Ela ficava intrigada com o fato de que muitas jovens freqüentavam o centro de referência, mas engravidavam apesar de todos os recursos disponíveis gratuitamente. Uma pesquisa apontou as pistas: as meninas recusavam-se a usar camisinha com medo de serem rejeitadas. ‘Ampliamos nosso foco’, conta Albertina.

A Casa do Adolescente começou a trabalhar com a auto-estima da adolescente. Psicólogos e fisioterapeutas agregaram-se ao projeto. Numa das salas, montou-se um consultório odontológico.

Testaram-se vários recursos para que a jovem se valorizasse: aulas de dança do ventre para lidar com a sensualidade, por exemplo. Ou lições de inglês, português e espanhol baseadas na escrita e na leitura de cartas de amor. Há um programa chamado ‘pronto-socorro das emoções’; meninos e meninas sentam-se em grupo para falar de suas dores.

São apresentadas soluções capazes de horrorizar a moral conservadora, mas que, na prática, funcionam. Por meio de simulações, aprende-se a colocar a camisinha no pênis do parceiro usando a boca. ‘Aprendi essas técnicas com algumas prostitutas que atendi em meu consultório. Foi o jeito que elas encontraram para fazer seus clientes usarem camisinha sem que percebessem’, conta Albertina. Ensina que deve ser vistos com reservas garotos que, por pressa, não querem pôr a camisinha. ‘Digo a elas que homem muito apressado não é um bom investimento sexual. Não é bom de cama’, brinca.

Técnicas desse tipo, assim como as pílulas, passaram a ser vistas apenas como detalhes. A experiência está mostrando que o essencial, portanto, é que o jovem tenha um projeto de vida, conseqüência do auto-respeito.

Projeto de vida significa, entre outras coisas, que todos estejam na escola e pensando na faculdade e na carreira profissional. Estabelece-se, portanto, a mesma lógica das adolescentes de classe média, que planejam o tamanho de suas famílias de acordo com as prioridades educacionais e profissionais.

A experiência da Casa do Adolescente dá ao pobre um direito igual ao dos jovens mais ricos: o direito de saber que filho antes da hora não é projeto de vida, mas falta dele. E nisso concordam todos: do mais conservador católico à mais radical líder feminista.

PS – Além do aumento da escolaridade entre as jovens, a disseminação de experiências de atendimento integral é uma das explicações para a redução da gravidez na adolescência no Estado de São Paulo. Prefeituras seguem o exemplo e criam, em seus centros de saúde, programas para adolescentes. Em todo o Estado, a gravidez atinge 17% das crianças e adolescentes entre dez e 19 anos. A situação ainda é ruim, mas mostra avanços. Em 1998, eram 148 mil partos. Esse número sofreu uma queda, em 2003, para 109 mil, o que representa uma redução de 26%.