Gerenciando políticas públicas

Folha de S. Paulo - Tendências/Debates - Quarta-feira, 14 de janeiro de 2004

qua, 14/01/2004 - 9h27 | Do Portal do Governo

CLÁUDIA COSTIN

Em um país de grande exclusão social, a instalação de 65 orquestras do Projeto Guri em unidades da Febem marca a opção de política cultural que procuramos implantar no Estado: a construção de mecanismos concretos que permitam aos jovens que até recentemente só tinham acesso a estilos de arte reservados à população de baixa renda -num apartheid cultural- ampliar o seu universo de oportunidades. Trata-se, sobretudo, de reorientar a atuação do poder público na cultura, colocando como finalidade da política cultural o cidadão e suas necessidades culturais (sejam elas de fruição ou de produção), e não os produtores culturais: cineastas, artistas plásticos, músicos, bailarinos ou diretores de teatro.

Passei boa parte de minha vida profissional às voltas com a gestão de políticas públicas, porém nunca encontrei um desafio tão instigante como a implementação da política cultural. Lida-se aqui com regras geralmente inadequadas, porque a cultura se ocupa de talento, criatividade e uma certa intangibilidade de produtos. É também uma área que demanda uma forte parceria com a sociedade. Os atores sociais envolvidos com sua produção são, em sua maioria, desarticulados. Não há forte representação institucional de interesses e cada artista tem uma demanda distinta.

Nessas condições, optamos por construir uma política cultural que considerasse o ordenamento da ação do Estado por faixa etária, e não por linguagem artística. Temos, assim, uma política cultural para a infância, a juventude, a maturidade e a terceira idade. A discussão é orientada para que se determine como as diversas linguagens artísticas devem se articular para atender as necessidades culturais de cada fase da vida. Na juventude, por exemplo, a proposta é criar instrumentos para o protagonismo cultural, como centros culturais, oficinas, apoio a grupos de teatro amador, enfim, instrumentos de educação para o lazer que aliem boa qualidade cultural à possibilidade de se destacar, colocando os jovens longe da violência.

Outra dimensão importante é a opção pela interiorização. A maior parte dos investimentos do Estado na cultura se dá historicamente na capital. Parte disso faz sentido, uma vez que é normal que os museus mais complexos e as grandes orquestras estejam nos grandes centros. Mas é dispensável dizer que a concentração exagerada de
recursos e empreendimentos exclui populações inteiras. Nesse sentido, lançamos, por meio do Projeto Ademar Guerra, apoio a 200 grupos de teatro amador em todo o interior e abrimos mais 63 novas orquestras do Projeto Guri (incluindo as da Febem) fora da capital, além de criarmos mais de 12 mil vagas para oficinas culturais. A itinerância das orquestras e a realização do Pró-Bandas, projeto que nos permitiu capacitar bandas e fanfarras em mais de cem municípios, completam o quadro.

Um esforço grande tem sido feito para atender as cidades de mais baixo IDH (índice de desenvolvimento humano). Para tanto, criamos o Todos os Cantos, que leva a cada um dos 50 municípios mais pobres do Estado uma biblioteca, oferece oficinas culturais e apresentação de orquestras, com o apoio da iniciativa privada.

Outro princípio da política cultural é a boa gestão. Não há política pública competente sem gestão. No Brasil, um universo de carências e de demandas gigantescas, o bom gestor só não pode se acomodar em sua relativa impotência. Se pouco se pode fazer, que se ouse e se faça bem feito. E, se for possível, com criatividade, multiplicar o pouco para que renda mais, impacte mais gente. Foi nesse sentido que decidimos, em vez de aumentar o número de museus, dotá-los de bons dirigentes e orçamento adequado a uma programação intensa, aumentando sua visitação, levando e capacitando professores e estudantes e mantendo um dia de entrada gratuita. As parcerias permitiram ampliar as iniciativas e avançar em áreas não contempladas no orçamento. No Programa São Paulo – um Estado de Leitores, os primeiros passos foram dados em abril do ano passado, com a instalação do Conselho Paulista de Leitura, presidido por José Mindlin, para elaborar um plano que nos tire da vergonhosa situação de Estado em que não se lê. Já reforçamos o acervo de mais de cem bibliotecas municipais, treinamos 5.000 bibliotecários e agentes de leitura em todo o Estado, levamos escritores às cidades, iniciamos a instalação de bibliotecas comunitárias nos conjuntos habitacionais do CDHU e vamos, até junho, em parceria com prefeituras e a iniciativa privada, zerar o número de municípios sem bibliotecas.

Ainda há muito a fazer. Estamos trabalhando na institucionalização e na criação de regras mais adequadas à gestão de nossas orquestras e museus e na profissionalização do aparato da secretaria. Sem isso, não há política pública que se solidifique.

A busca de uma política cultural sustentável e inclusiva, que mantenha o que já se construiu ao longo dos anos e democratize o acesso aos bens culturais, é o que motiva a enfrentar todos esses desafios. E tem valido a pena.

Cláudia Costin, 47, mestre em economia pela Escola de Administração da FGV-SP, é secretária da Cultura do Estado de São Paulo. Foi ministra da Administração Pública e Reforma do Estado (governo Fernando Henrique Cardoso).