Genética para localizar crianças

Jornal do Brasil – segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

seg, 11/02/2008 - 17h34 | Do Portal do Governo

Jornal do Brasil

O drama de cerca de 40 mil famílias por ano no Brasil encontra esperança numa iniciativa inédita no país, que une genética, biologia molecular e tecnologia para encontrar menores desaparecidos. O projeto Caminho de Volta utiliza um banco de dados capaz de fazer o cruzamento de informações genéticas, físicas e psicológicas entre a criança desaparecida e a família para confirmar vínculos de parentesco.

A metodologia comparada à usada em países desenvolvidos – como o Banco de DNA americano, que existe há mais de 20 anos – nasceu de uma parceria entre a Faculdade de Medicina da USP e a Secretaria Estadual de Segurança Pública de São Paulo.

– É um modelo inédito pois agrega a biologia molecular e a genética por meio do armazenamento de perfil dos familiares de crianças e adolescentes desaparecidos para posterior comparação com o perfil genéticos dos encontrados, vivos ou mortos – explica Claudia Figaro Garcia, uma das coordenadoras do projeto.

Em todo o país, estima-se que mais 40 mil crianças desapareçam anualmente, sendo 9 mil delas no Estado de São Paulo. Fugas são mais comuns que subtração ou seqüestro. Cerca de 85% dos menores que desaparecem fugiram de suas casas por causa de suas famílias desestruturadas.

– Quando uma criança some, entramos em contato com a família para saber como foi o desaparecimento, se houve alguma situação que causou aquilo, através de uma questionário extensivo – explica a psicóloga Eliane Bernardelli, do Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas (Secride), em Curitiba, Paraná. – Levantamos todas as características físicas e emocionais sobre a criança e família. Depois é feita uma coleta de sangue dos parentes e o laboratório da USP faz uma análise. Quando a criança é encontrada, compara-se o material sangüíneo para saber se realmente é ela.

– A iniciativa facilitou nosso trabalho – conta Eliane Bernardelli. – Hoje há menos burocracia para identificar crianças que ficam anos em instituições para adoção ou as que possuem algum tipo de deficiência, como surdez. O banco de DNA agilizar o processo.

Eliane explica, também, que os profissionais do Caminho de Volta atuam quando a criança retorna à família. Há acompanhamento psicológico para ver se “os parentes estão buscando a melhor saída para que a criança não volte a sumir”.

Estrutura

Dentro do Caminho de Volta atuam os departamento de Medicina Legal, Ética Médica, Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da USP, além do do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.

– Menos de 5% dos casos de desaparecimento de São Paulo chegam ao atendimento do Caminho de Volta – afirma Marcelo Neumann, responsável pela articulação de políticas públicas do projeto. – É fundamental implementar uma cultura de encaminhamento das delegacias para o projeto. Faltam recursos financeiros e de infra-estrutura para poder efetivar o projeto em todo o Estado de São Paulo.

Para a coordenadora do Caminho de Volta, as ações de políticas públicas comumente adotadas no Brasil “são pulverizadas” e, muitas vezes, “sem qualquer nexo entre si”.

“Há falta de controle dos Conselhos de Assistência Social e dos Direitos da Infância e do Adolescente nos âmbito municipal, estadual ou federal, pois uma das missões desses órgãos seria a criação de uma sinergia para a consolidação da Rede de Proteção à Infância e Adolescência”, descreve em relatório.

– O problema do desaparecimento de crianças e adolescentes ainda não está no foco central da agenda pública, é uma questão recente dentro das políticas de segurança pública – afirma Cláudia. – Por isso devemos articular e pautar a problemática com todos os segmentos sociais, para soluções ou medidas preventivas com relação ao desaparecimento infanto-juvenil.

Cláudia lembra, ainda que já que a maioria dos desaparecimentos são fugas de casa, “os motivos estão relacionados à dificuldades no relacionamento familiar e tais dificuldades muitas vezes levam essas crianças e adolescentes ao uso de drogas e envolvimento no tráfico ou em infrações”.

Atualmente, o projeto tem cadastradas 650 famílias que têm ou tiveram casos de crianças e adolescentes desaparecidos. Famílias vítimas de casos antigos, e não apenas recentes, também podem aderir ao programa.