Ganha forma novo pólo aeronáutico

Gazeta Mercantil - 3/6/2003

ter, 03/06/2003 - 11h14 | Do Portal do Governo

Marcelo Moreira, de Gavião Peixoto e Araraquara (SP)


Gazeta Mercantil – 3 de junho de 2003

Com a chegada da Embraer e da Kawasaki, a pequena Gavião Peixoto já pensa no turismo tecnológico

Com 4 mil habitantes, a pequena cidade de Gavião Peixoto, na região nordeste de São Paulo, a 310 quilômetros da capital, finalmente está no mapa e nas placas indicativas das estradas que levam a vários destinos do interior paulista. Antes um rincão perdido e escondido nas sobras da poderosa Araraquara, a cidadezinha ganhou fama internacional com a chegada da segunda fábrica da Embraer no Brasil.

E a cidade deve descobrir uma nova vocação para aumentar ainda mais a arrecadação: o turismo tecnológico, um negócio que ainda engatinha no Brasil. São poucas as cidades que conseguem investir nessa modalidade de turismo muito rentável, como atestam as cidades da região industrial do Rühr, na Alemanha, ou no cinturão indutrial do eixo Birmingham-Coventry, na Inglaterra (no Brasil, São Caetano, São Bernardo do Campo e São José dos Campos são municípios com iniciativas nessa área).

Com a entrada em operação da indústria aeronáutica, veio a primeira empresa coligada. A japonesa Kawasaki inaugurou, há dois meses a sua primeira unidade fabril fora do Japão. A Kawasaki Aeronáutica do Brasil (KAB) será responsável pela produção do conjunto de asas de jatos de passageiros da família 170/190. Na unidade Gavião Peixoto, a Kawasaki investe R$ 20 milhões e deve gastar R$ 10 milhões no próximo ano.

Produção em 2003

A partir deste ano, a KAB deve entregar dois conjuntos de asas por mês para as aeronaves Embraer 195. Serão trazidos mais de 5 mil componentes do Japão para serem montados em Gavião Peixoto. As asas serão encaminhadas para a unidade da Embraer em São José dos Campos para conclusão da montagem dos aparelhos.

A empresa japonesa pretende ampliar a nacionalização dos componentes e vai investir no desenvolvimento de fornecedores locais. A nova fábrica da KAB tem 7 mil metros quadrados de área construída e gerou 100 empregos diretos e indiretos.

O governador Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou em abril que a região vai receber atenção especial do governo estadual. ‘Não podemos ignorar que, enquanto há anos atrás o café era o grande produto de exportação, hoje temos o avião como item principal das vendas internacionais.’

O Estado já investiu R$ 37,5 milhões no pólo tecnológico de Gavião Peixoto, segundo Alckmin. ‘Além do terreno, também implantamos a infra-estrutura como os acessos, luz, água. Em breve, entregaremos a recuperação das rodovias que ligam Gavião Peixoto a Araraquara e a SP-331, de Ibitinga até a Rodovia Washington Luiz’, afirma.

Mão-de-obra especializada

Alckmin lembrou ainda que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) investiu R$ 9,5 milhões em pesquisas no setor aeronáutico do estado nos últimos dois anos. Registrou o esforço da Faculdade de Tecnologia (Fatec), de Taquaritinga; da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos e de uma parceria do governo estadual com o Serviço Social da Indústria (Sesi) para a formação de mão-de-obra especializada na região. Alckmin mostrou também que no recém-construído segundo campus da USP em São Carlos já foi formada a primeira turma de engenharia aeronáutica.

‘Mercado em crescimento’

O otimismo esbanjado pelas empresas com o novo pólo tecnológico chega a ser surpreendente. ‘O mercado está em crescimento, não tenho dúvida. Desejo que a empresa promova o desenvolvimento da comunidade’, disse o presidente da Kawasaki, Masamoto Tazaki, quando da inauguração da unidade em Gavião Peixoto.

Fundada em 1878, a Kawasaki é conhecida pelas motocicletas e jets skis, mas atua também, há 30 anos, no Brasil, nos setores metroviário, de usinas termelétricas, petroquímica, cimento, mineração e equipamentos siderúrgicos. O meio-oeste paulista foi escolhido para o complexo aeronáutico por ser uma área plana, isolada, sem neblina e pouco povoada, ideal para a fábrica de jatos. Gavião Peixoto é adequada para os testes com os novos aparelhos. A escolha do local levou em conta, também, o espaço aéreo livre de rotas comerciais.

Gavião Peixoto tem uma grande preocupação ao lado da euforia com a chegada das novas empresas: como manter a qualidade de vida e afastar o fantasma da degradação e do crescimento desordenado? Há três anos, a Embraer, uma das mais importantes do mundo na área de jatos comerciais leves e aviões militares táticos, anunciou a escolha da cidadezinha de 4 mil habitantes para instalar sua terceira fábrica. Ocupa uma área de 14,5 quilômetros quadrados de terra revestida hoje por 400 mil pés de laranjas.

Só os cinco quilômetros da pista de testes ultrapassam várias vezes o perímetro urbano composto de 36 ruas. Foram US$ 150 milhões de investimento para gerar cerca de 3 mil empregos diretos. Outros 2 mil serão gerados pelas 14 indústrias que se seguirão à Embraer.

Euforia e cautela

Apesar da euforia no início pela decisão da empresa de se instalar na cidade, o sentimento hoje na cidade é de cautela. Chegaram nos últimos 18 meses cerca de 600 novos moradores, elevando a população para 4.700 habitantes, um acréscimo de 14,6%.

‘A Embraer aumentou o interesse pela cidade. O comércio melhorou sensivelmente nos últimos dois anos. Agora temos mais lojas, mais casas de material de construção, alguns serviços que antes não tínhamos. Mas, por enquanto, não houve um boom de novos empreendimentos’, afirma Narciso Zanin, assessor do prefeito e espécie de porta-voz da administração.

‘Crescimento saudável’

Gavião Peixoto vê com desconfiança o crescimento econômico sem disciplina, o que é freqüentemente confundido com medo da prosperidade. Enquanto as cidades médias e grandes anseiam por crescer mais, arrecadar mais e por novos investimentos, a pequena Gavião quer crescer pouco, mais de forma ‘saudável e pouco traumática’, de acordo com Zanin.

Os planos são modestos, o que revela, na verdade, o assombro diante da majestade do projeto da fábrica da Embraer. Nas projeções da atual administração, Gavião Peixoto terá 12 mil habitantes em 2015, ou seja, quase o triplo da atual população em 13 anos. O novo contingente de habitantes será formado, provavelmente, pela totalidade de funcionários da Embraer e das empresas instaladas em seu entorno.

O orçamento atual da cidade pouco ultrapassa R$ 4 milhões. A laranja, que ocupa 40% da área cultivada, geralmente em pequenas propriedades, responde por 73,5% da receita municipal, enquanto a cana, que abrange 45% da área, responde por uma fatia bem menor, algo em torno de 18% da receita líquida.

Crescimento rápido

A estimativa de triplicar a população em 13 anos é conservadora. A cidade já trabalha com a possibilidade de que esse crescimento ocorra bem antes disso, mesmo que a fábrica de aviões não esteja em plena capacidade de funcionamento, assim como as empresas fornecedoras. A razão é simples: é insuficiente para atender à demanda que está por vir. Essa rede crescerá de forma inexorável para atender aos novos moradores/trabalhadores, mesmo que eles comecem a chegar de forma espaçada.

Novo Plano Diretor

O prefeito de Gavião Peixoto, Gregório Gulla (PFL), estuda com seus assessores o Plano Diretor do Município, elaborado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). O estudo é a base do plano de triplicar a população até 2015. O IPT apontou a necessidade de ampliar a lagoa de tratamento de esgoto. Ela tem capacidade para apenas 30% dos dejetos. O restante é jogado diretamente no rio Jacaré-Guaçu. Pesquisa realizada pelo IPT apontou as prioridades eleitas pela população: construção de um hospital, estação de tratamento de água, aterro sanitário e o terminal rodoviário.

Laranja move economia

Enquanto isso, já começam a surgir na cidade conversas saudosistas de um típico distrito do interior. A desconfiança da modernidade é grande. Um único bar, perto do velório municipal, era até há pouco tempo atrás o ponto de encontro para as discussões políticas e futebolísticas. Quase tudo ainda é movido a laranja na cidade, desde a colheita até o transporte. A vida na cidade segue outro ritmo e parece não haver muita disposição para uma mudança drástica.

Araraquara aproveita

Quem se beneficia, por enquanto, é a vizinha Araraquara, que governou o distrito desde sempre até 1995. Uma das cidades campeãs do estado em termos de atração de investimento e de qualidade de vida, há muito deixou de ser apenas um dos centros cítricos do estado de São Paulo. Sua rede industrial é de dar inveja, com gigantes como a Kaiser, a Sachs (autopeças), Cutrale, Nestlé e outras.

Araraquara tem como principal atividade econômica a agroindústria, com lavouras de cana-de-açúcar e laranja. A vinda da Embraer para a região, no vizinho município de Gavião Peixoto, abre novas perspectivas de desenvolvimento industrial.

Nos últimos meses, dois hotéis foram inaugurados na cidade e a previsão é a conclusão de outros três até meados de 2002 e até mesmo um condomínio fechado de alto padrão. O setor comercial e de serviços também sentiu forte impacto.

Mais 500 empregos

Os empresários de fora começaram a investir e o resultado foi a inauguração do hipermercado Extra e a remodeção do Tropical Shopping, sem falar no moderno Shopping Lupo, instalado na antiga fábrica de meias do centro da cidade e recém-inaugurado, e no Shopping Jaraguá, o maior da cidade, também aberto recentemente.

O comércio araraquarense, revitalizado com os dois novos shoppings e a remodelação do terceiro, ganhou bastante em qualidade e vai gerar cerca de 500 novos empregos neste final de ano. Bastante para o comércio de uma cidade de porte médio e que até há bem pouco tempo sofria forte concorrência de lojas com melhor estrutura de São Carlos e Ribeirão Preto (a 80 km de distância).

A onda tecnológica que já se instalava na vizinha São Carlos chegou a Araraquara pelas mãos do departamento de Ciências Farmacêuticas da Unesp, que vai produzir remédios genéricos para o município.

Este projeto, orçado em R$ 2 milhões, prevê a instalação de uma fábrica dentro da universidade. O objetivo é produzir um produto altamente competitivo e que chegará ao consumidor com preços bem inferiores aos praticados no mercado.