Fraude na Febem

O Estado de S. Paulo - São Paulo - Sábado, 5 de fevereiro de 2005

sáb, 05/02/2005 - 16h33 | Do Portal do Governo

EDITORIAL

Fica cada vez mais evidente que boa parte dos funcionários da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) está empenhada em impedir que o governo estadual moralize a instituição, instalando um modelo eficaz de reeducação e ressocialização dos internos. A prisão de 16 funcionários, acusados de crime de tortura, há 15 dias, desencadeou a ameaça de greve dos funcionários, motins e uma série de fugas, inclusive em unidades consideradas exemplares, como Marília e Pirituba. Na quarta-feira, durante quatro horas, internos do Complexo Tatuapé, na zona leste da capital, fizeram três funcionários reféns numa rebelião motivada por um boato de que os adolescentes ficariam trancados em seus dormitórios durante todo o feriado de carnaval.

Ao todo, 55 funcionários foram denunciados – 42 por crime de tortura, que tiveram prisão decretada pela Justiça, e 13 por omissão. O presidente da fundação, Alexandre de Moraes, também secretário de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania, tem resistido à pressão e tocado em questões até então ignoradas dentro da Febem.

A última delas se refere às fraudes de monitores contra o INSS. Pelo menos 10% dos 9 mil funcionários estão afastados por problemas de saúde. A quase totalidade dos pedidos de afastamento é feita por servidores que trabalham nos pátios das unidades. Perícia feita pela fundação em parceria com o Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo (Imesc) revelou que, de 200 monitores avaliados, 112 já poderiam ter voltado ao trabalho. Considerando a amostra, se 50% dos 829 funcionários estiverem afastados do trabalho apesar de terem boas condições físicas e mentais para o batente, a fraude daria ao governo estadual um prejuízo mensal de R$ 539.500,00.

A Febem convocou 415 servidores para a avaliação, mas 215 não compareceram. Apesar de considerar que parte deles possa enfrentar problemas de locomoção, o presidente Alexandre de Moraes avisa que todos serão novamente chamados e, em caso de não-comparecimento, o Ministério Público Estadual poderá processá-los por crime de desobediência.

Em média, o tempo de afastamento é de um ano, mas há casos de funcionários que já estão há mais de quatro anos longe da fundação. A maioria foi afastada há mais de dois anos, prazo máximo permitido por lei. O INSS deveria avaliar essas pessoas a cada dois anos para decidir entre a aposentadoria por invalidez ou a volta ao trabalho. O instituto tem alegado não ter peritos suficientes para reavaliar todos os servidores afastados. O Ministério Público Federal estuda tomar medidas judiciais contra o INSS.

A presidência da Febem acredita que 50% dos servidores afastados são investigados pela corregedoria da instituição, acusados, principalmente, de tortura, maus-tratos, intermediação de armas de fogo e drogas aos internos e facilitação de fuga. Na segunda-feira, o Ministério Público indiciou 55 funcionários – 42 por crime de tortura e 13 por omissão. Eles pedem licença para dificultar a sindicância. Outros se aproveitam dos picos salariais para se licenciar. O salário pago no período do afastamento é calculado com base na média dos últimos três meses. Muitos aproveitam períodos de bons rendimentos com horas extras e, no quarto mês, requerem o afastamento para se dedicar a um segundo emprego.

É a exploração dos cofres públicos que o presidente da Febem está disposto a combater e, para isso, enfrenta a parte dos servidores acostumada a se aproveitar da crise em que a instituição mergulhou nos últimos anos.

Mantendo atitude firme, Alexandre de Moraes poderá, em pouco tempo, apresentar melhorias significativas na fundação. Além de combater a chamada ‘banda podre’ dos funcionários, o presidente da Febem pretende, a partir da segunda quinzena de fevereiro, isolar os internos maiores de 18 anos em quatro unidades da capital. Uma quinta unidade receberá menores de 18 anos com o mesmo perfil ‘belicoso’, como Moraes classifica os internos que integram a chamada ‘liderança negativa’, responsável pelas rebeliões e tumultos.

O combate simultâneo às duas forças negativas dentro da instituição – formadas, de um lado, por internos e, de outro, por funcionários – é a melhor estratégia a ser adotada na reforma da Febem. Afinal, até hoje, uma serviu aos interesses da outra, usando o Estado como refém.