Foto digital facilita identificação de criminoso

Correio Popular - Campinas - Segunda-feira, 4 de outubro de 2004

seg, 04/10/2004 - 9h12 | Do Portal do Governo

Iniciativa pioneira no Interior do Estado reúne mais de 5 mil imagens na DIG, otimizando o reconhecimento pelas vítimas ou testemunhas

Bargas Filho, da Agência Anhangüera

Os álbuns com fotografias velhas – algumas com pouca nitidez, dificultando a identificação –, coladas em folhas que se soltavam ou rasuravam devido ao manuseio constante, estão “aposentados” pela Polícia Civil, em Campinas. Foram trocados por um simples “click”. Desde o começo de setembro, está em funcionamento na Delegacia de Investigações Gerais (DIG) uma sala de reconhecimento informatizada. É a primeira no Interior paulista. Em três computadores, estão armazenadas 5.261 fotos digitais atualizadas de criminosos presos em Campinas ou em outros 89 municípios da região.

“As vítimas ou testemunhas de crimes têm acesso a fotografias de alta definição, coloridas, em um local com certo conforto e sem constrangimento”, explica o delegado Hamilton Caviolla Filho, titular da DIG. Os computadores, novos, com grande capacidade de armazenagem, foram doados à Polícia Civil pelo empresário Eloi Tuffy, proprietário da Microcamp Internacional em Campinas. A empresa também fez toda a instalação e fará a manutenção do equipamento. Os computadores têm acesso à internet. A doação é um ato da iniciativa privada permitido às Polciais Civil e Militar. Os equipamentos são registrados como patrimônio da Secretaria da Segurança Pública.

As pessoas vítimas de crimes como roubo, lesão corporal, tentativa de homicídio, estelionato (como o golpe do bilhete premiado), seqüestro, estupro ou testemunhas de assassinatos podem consultar todos os dados dos suspeitos. Estão arquivadas além das fotografias do rosto dos criminosos, também de tatuagens e de outros detalhes físicos. Também há informações sobre altura, cor da pele, sotaque, jeito de andar, cor do cabelo, porte físico e até o tom da voz.

“Se a vítima ou a testemunha nos falarem que viram uma tatuagem em alguma parte do corpo, o programa permite identificar essa pessoa e mostra a fotografia do desenho”, explicou o delegado. O banco de dados é “alimentado” diariamente com fotografias tiradas de todas as pessoas que são presas em Campinas. “Todos os dias, policiais fotografam aqueles que dão entrada na cadeia do 2º Distrito Policial”, explica Caviolla Júnior.

A sala de reconhecimento informatizada atende a todos os policiais de Campinas e de Valinhos, Vinhedo, Indaiatuba e Paulínia, municípios onde a Polícia Civil é administrada pela Delegacia Seccional de Campinas. “Os reconhecimentos não são mais feitos nos álbuns nos distritos. As vítimas ou testemunhas são agora encaminhadas para a DIG”, informou Caviolla Júnior.

A sala possui também um compartimento onde é possível fazer o reconhecimento pessoal. Um vidro especial impede que quem está em um dos lados do cômodo veja o outro lado. Assim, o criminoso não vê quem está na sala para fazer o reconhecimento. “É totalmente seguro e sigiloso. Mas, por via das dúvidas, fazemos um teste antes com a vítima ou testemunha para garantir que o sujeito preso não tem como ver nada através do vidro”, disse o titular da DIG.

O novo serviço foi aprovado por uma professora da rede pública de 64 anos de idade que teve o seu Gol roubado no Jardim Flamboyant. Ela registrou o boletim de ocorrência no Setor de Furtos e Roubos de Veículos e depois foi até a sala de reconhecimento. Descreveu um dos três bandidos e o policial acessou várias fotos de pessoas com as mesmas características. “Infelizmente, nenhum desses é o homem que me apontou a arma. Mas esse serviço é muito bom. Dá tranqüilidade para quem está apavorado com um roubo recente. Aqui é fácil identificar”, comentou a professora.

Os policiais também aprovam o reconhecimento informatizado. “Nos ajuda muito. A maioria das vítimas guarda na memória as características dos criminosos. Quando apresentamos as fotos, fica mais fácil para a polícia”, comentou o delegado Renato Vieira da Silva, do Setor de Crimes Contra o Patrimônio da DIG. O policial lembrou que muitas vítimas do golpe do bilhete premiado reconheceram por intermédio de fotografias os autores dos golpes.

A delegada Maria Cecília Fávero Lopes, titular da Delegacia da Defesa da Mulher, disse que o reconhecimento informatizado auxilia as investigações. “É possível, com um reconhecimento desses, indiciar o autor de um crime. Com a precisão das fotografias e os detalhes físicos, como tatuagens, a que tem acesso, a vítima acaba reconhecendo com maior certeza”, disse.

A informatização também acaba com um problema nas delegacias. Muitas não tinham condições de produzir um álbum de fotografias ou de atualizar as imagens. “Esse problema está superado. As fotografias digitais são de ótima qualidade e, quando o criminoso é preso pela segunda vez, volta a ser fotografado porque pode ter mudado de aparência por conta do envelhecimento ou de estar usando barba, bigode e cabelos longos”, comentou Caviolla Filho.

Prova de culpa não é definitiva

O reconhecimento fotográfico é previsto em lei, porém, não pode ser considerado como a única prova de culpa contra o acusado de um crime, explica o juiz de Direito José Henrique Rodrigues Torres, diretor do Fórum de Campinas. “Esse reconhecimento não é uma prova eficiente e convincente. Não é definitiva. Mas pode ser uma prova a mais se somadas às outras”, diz Torres. Por isso, a apresentação de fotografias às vítimas ou testemunhas é uma forma de reforçar a acusação.

O promotor de Justiça Ricardo Silvares, do Ministério Público em Campinas, afirma que o reconhecimento fotográfico é muito importante para as investigações. “Foi um recurso muito usado nos processos que apuram a atuação da quadrilha de seqüestradores do Andinho. Muitos dos acusados presos não podiam ser apresentados para um reconhecimento pessoal e esse procedimento foi feito por meio de fotografias”, disse Silvares. Andinho é Wanderson Nilton de Paula Lima, acusado de ser o líder de uma quadrilha que fez 19 seqüestros na região de Campinas, entre 2000 e 2002, e de ter participado do assassinato do prefeito Antonio da Costa Santos (PT), em 2001.

Recurso

O advogado criminalista Hélio Calado avalia que o reconhecimento por fotografias não é seguro. “O reconhecimento que a lei admite é o pessoal. O fotográfico é um pouco precário e não dá segurança necessária para o julgador”, comentou. De acordo com o advogado, quando a polícia forma a culpa somente com base no reconhecimento fotográfico enfraquece a acusação. “Porém, trata-se de um recurso de começo da investigação”, diz.

A Lei 10.054, de 7 de dezembro de 2000, que dispõe sobre a identificação criminal, determina que os policiais fotografem todas as pessoas presas. “O preso em flagrante delito, aquele que pratica infração penal de menor gravidade, assim como aqueles contra os quais tenha sido expedido mandado de prisão judicial, desde que não identificados civilmente, serão submetidos à identificação”, inclusive, diz a lei, “pelo processo fotográfico”. (BF/AAN)

Banco de imagens já mostra resultados

O reconhecimento fotográfico é utilizado com freqüência pela Polícia Civil para indiciar diretamente pessoas acusadas de crimes e que, por não terem sido presas, acabam sendo apontadas pelas vítimas ou testemunhas por meio de imagens. Um exemplo é de Márcio Abraão Levy, de 26 anos, que está foragido, porém foi incriminado por estelionato em dois inquéritos policiais abertos no 5º Distrito Policial (Jardim Amazonas). Ele foi reconhecido oficialmente por duas vítimas e é procurado. Mateus Elias de Almeida, de 55 anos, também foi reconhecido por fotografia como sendo autor de um golpe do bilhete premiado que lhe rendeu R$ 3 mil.

Levy foi reconhecido pela cozinheira J., de 41 anos, como sendo um dos três homens que no dia 11 de novembro de 2002 a convenceram a entregar R$ 1,6 mil para que pudesse conseguir um empréstimo de R$ 85 mil. Ela mora na Vila Formosa e telefonou para uma empresa que fazia empréstimos e os homens apareceram em sua casa. A mulher queria fazer um empréstimo para comprar uma casa. Levy chegou em um Golf verde, placas CNW-1666 de Curitiba, e alegou chamar-se Edson Martins. Quando se deu conta de ter sofrido um golpe, J. registrou queixa no 5º DP.

Foi por conta de outro golpe aplicado pelo mesmo homem em 29 de julho de 2003 que a polícia conseguiu identificá-lo. Nessa data, ele esteve em uma escola particular de Educação Infantil, onde se apresentou como Edson Martins e “vendeu” uma assinatura de revista para a professora K., de 29 anos. Ela pagou com dois cheques pré-datados no valor de R$ 20,00 cada um. Um dos cheques foi adulterado para R$ 620,00 e descontado no caixa.

Para sacar o dinheiro, foi necessário transformar o cheque em “nominal” a favor de Márcio Abraão Levy. Quando a polícia pegou esse cheque, já havia descoberto que o Golf verde usado pelo homem que enganara a cozinheira havia sido vendido pelo verdadeiro Edson na Capital paulista e que o falsário “adotou” o nome do dono do veículo.

Apoio

O delegado Luís Antônio Mita e a escrivã Maria Cristina Lúcio Alves, do 5º DP, resolveram requisitar a fotografia de Levy no Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt, da Secretaria da Segurança Pública, que emite a cédula de identidade. A fotografia de Levy, que usava o nome de Edson, foi apresentada às duas mulheres lesadas. Em 1º de junho deste ano, elas estiveram na delegacia e reconheceram “sem sombra de dúvidas a fotografia de Márcio Abraão Levy, como a pessoa que se apresentou como Edson Martins”. Por isso, Levy foi indiciado em inquérito policial.

No caso do autor do golpe do bilhete, o aposentado E., de 58 anos, perdeu R$ 3 mil em 18 de março deste ano na Avenida Marechal Carmona. Dois homens prometiam uma recompensa de R$ 28 mil caso o aposentado os ajudasse a receber o prêmio da Quina. Como “garantia” para deixar o bilhete com o aposentado, exigiram que lhe dessem uma “garantia”.

E. foi a uma agência bancária, sacou dinheiro de sua conta-poupança e entregou aos falsários. Descobriu que caiu no golpe e registrou queixa na delegacia. Ao ver as fotografias de crimino na DIG identificou Mateus. Por conta desse procedimento, Mateus foi indiciado em inquérito no 5º DP. (BF/AAN)