Festival dá pistas de mudanças na sua orientação

O Estado de S. Paulo

qua, 22/07/2009 - 8h04 | Do Portal do Governo

Concertos do fim de semana tiveram a produção contemporânea com ênfase 

A música contemporânea passa a ocupar o primeiro plano da cena no Festival de Inverno de Campos do Jordão. Foram necessários quarenta anos para o evento mais “nobre” do festival, no sábado às 21 horas no Auditório Cláudio Santoro, enfocar música contemporânea. No último sábado, a trupe de professores internacionais, a maioria do Conservatório de Paris, fez um programa inteiro com música do século 20 cujas duas últimas peças são assinadas por Iannis Xenakis e Olivier Messiaen. Verdade que as duas peças neoclássicas, de Berthomieu e Françaix, são fraquíssimas; compensou, porém, a sonata para viola, flauta e harpa de Debussy, sempre instigante. Quebrou-se também outro tabu: o diretor pedagógico do Festival, Silvio Ferraz, subiu ao palco após o intervalo para comentar rapidamente as peças de Xenakis e Messiaen. Auditório cheio, aplausos entusiasmados no final. Simples, não? Quando se dão algumas chaves para o público compreender o que vai assistir, a música contemporânea, por mais complexa que seja, torna-se compreensível a todo tipo de público. 

Okho, peça para três tambores do grego radicado na França Iannis Xenakis (1922-2001), recebeu uma leitura competente e apaixonada de três grandes percussionistas: o francês Florent Jordelet e os brasileiros radicados no exterior Eduardo Leandro e Carlos Tarcha. O mesmo Eduardo Leandro, na regência, e o pianista Paulo Guimarães Álvares como solista, no entanto, foram as estrelas da sensacional Oiseaux Exotiques de Olivier Messiaen (1908- 1992).

Entre sexta e sábado, viram-se as duas faces do Festival de Inverno: o tradicional, com um maravilhoso recital de Nelson Freire, onde os pontos altos foram um Schumann (Papillons) e um Debussy (seis prelúdios) estarrecedores; e os novos rumos, com um sábado basicamente contemporâneo. No fim de tarde, a capela do Palácio recebeu um concerto inteiramente dedicado ao compositor francês Henri Dutilleux, ainda vivo, aos 93 anos. Novamente, a curta porém exata fala de Silvio Ferraz guiou o público para audição: as três primeiras peças, da década de 40, são neoclássicas, mas bem mais suculentas e interessantes do que a insossa penca de neotonais franceses daquela época, praticamente todos de segunda classe. Sensacional, porém, foi a peça final, intitulada Les Citations, de 1985, em que Dutilleux tece um refinado contraponto a partir de jogos sutis de timbres. Destaque à parte é o modo como o compositor trata o cravo, de modo turbinado – e ponto para Paulo Guimarães Álvares.

Isso tudo não quer dizer que o festival vá transformar-se em evento exclusivo de música contemporânea. Mas há sinais claros de como funciona a transição por que passa o evento. E o que devemos aguardar para as próximas edições.Tradicionalmente estruturado em torno da orquestra sinfônica dos bolsistas, o festival inverteu o eixo e agora privilegia os grupos de câmara. E todos, garante Silvio Ferraz, todos os 156 alunos apresentam-se publicamente. Organizar o time de professores em torno de uma instituição é outra ótima ideia, pois dá coerência ao evento como um todo.

Das muitas conversas em torno da edição de 2010, Ferraz deixa escapar algumas coisas: quer acabar com o elitismo de os professores se hospedarem num hotel e os bolsistas no alojamento. Para o próximo ano acena-se com uma parceria com a Escola de Altos Estudos de Colônia. Ele falou também no New England Conservatory de Boston e na Juilliard de Nova York – até porque visões muito “neue musik”, como as do Conservatório de Paris ou Colônia, não refletem a cena pós-moderna das músicas contemporâneas.