Ex-internos da Febem ganham chance no mercado de trabalho

O Estado de São Paulo - Quarta-feira, 28 de Setembro de 2005

qua, 28/09/2005 - 15h05 | Do Portal do Governo

Iniciativa do Grupo Pão de Açúcar já emprega 51 jovens em lojas da rede; meta é chegar a 500

Andrea Vialli

João (nome fictício) tem 20 anos e é responsável pela padaria em uma loja do Pão de Açúcar em São Paulo. Ele começou como auxiliar de padeiro e hoje ensina o ofício aos dois novos funcionários da seção. Seria apenas mais uma história de promoção e bom desempenho no trabalho, não fosse um detalhe: João é ex-interno da Febem, atualmente em regime de liberdade assistida. Ele conseguiu o emprego graças ao programa ‘Gente de Futuro’ da rede varejista, que acaba de completar um ano e emprega 51 jovens.

No início do ano passado, Ana Maria Diniz, herdeira do grupo Pão de Açúcar e presidente do instituto que leva o nome da empresa, foi desafiada pelo secretário de Educação de São Paulo, Gabriel Chalita, a dar oportunidades nas lojas da rede para meninos que passaram pela Febem. O plano inicial, ambicioso, previa empregar 500 jovens. Mas o Departamento de Recursos Humanos, responsável pela implementação do programa, foi cautelosos e optou por começar com um piloto de 30 jovens, a partir da orientação da ONG Jeame, especializada em trabalhar com jovens da Febem.

A julgar pelos resultados já colhidos, a rede varejista está satisfeita com o desempenho dos jovens que foram contratados. ‘Eles têm se revelado trabalhadores dedicados e dispostos a aprender mais’, conta Marília Parada, diretora de Planejamento e Desenvolvimento de Recursos Humanos do Pão de Açúcar. Alguns, como João, já receberam promoções.

Mas o caminho não foi tão simples, uma vez que foi preciso muito tato, acompanhamento psicológico e até mesmo um trabalho com as famílias para o programa dar certo. ‘A gente sabia contratar jovens, mas não jovens com um passado de delinqüência. Foi e continua sendo um aprendizado’, explica Tania Moura, gerente de Atratividade e Seleção do Pão de Açúcar e uma das coordenadoras do processo de contratação.

Até as funções para as quais os jovens foram designados passaram por criteriosa escolha. A maioria dos jovens trabalha na padaria, embora alguns estejam alocados na reposição dos estoques. ‘Na padaria, eles têm maior noção de que podem ser produtivos’, explica Tânia. ‘Eles chegam sem saber fazer nada e logo podem ver o produto do seu trabalho, o que aumenta sua autoconfiança.’

Uma das premissas do programa é o total sigilo quanto ao passado de contravenção dos meninos e meninas. A empresa não tem acesso a informações sobre os delitos cometidos. No ambiente de trabalho, apenas o chefe direto e o gerente da loja têm conhecimento de que se trata de um ex-interno da Febem. ‘Esse é um dos motivos do programa estar dando certo. Lá dentro, eles não são os meninos da Febem, são os meninos do Pão de Açúcar’, explica Ana Maria Diniz. ‘Queríamos livrá-los dos rótulos.’

A intenção, segundo Ana, é que os ex-internos da Febem passem a ser uma fonte regular de contratações daqui para a frente, com a expansão do grupo. ‘É um programa de longo prazo, que vai depender também da nossa capacidade de treinar essas pessoas’, diz.

PRECONCEITO

Seja por preconceito ou mesmo falta de conhecimento sobre como proceder, o fato é que, em todo o Estado de São Paulo, de um universo de 13 mil jovens em regime de liberdade assistida, pouco mais de 270 estão inseridos no mercado de trabalho, a maior parte em empresas ligadas ao governo, como o Metrô, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e as secretarias estaduais. ‘O programa do Pão de Açúcar é destaque porque são pouquíssimas as empresas privadas que oferecem a oportunidade de contratação efetiva’, diz a presidente da Febem, Berenice Giannella. No interior do Estado, o McDonald’s mantém um programa semelhante. Mas o objetivo da Febem é ampliar o leque de parcerias.

‘2005 tem sido um ano conturbado para a Febem’, diz Berenice. ‘Com as rebeliões, muitas empresas desistiram de firmar parcerias, mas vamos trabalhar mais nesse campo.’ A entidade está implementando uma área específica para cuidar de parcerias com a iniciativa privada e convênios com ONGs. ‘Esses jovens querem um tratamento digno, sem assistencialismo.’

Segundo a presidente da Febem, o grande ganho desse tipo de projeto é possibilitar que, a partir da disciplina que é exigida pelo mundo corporativo, o jovem desvie do caminho das drogas, das influências negativas e do próprio desemprego, uma vez que o mercado de trabalho está cada vez mais afunilado para essa faixa etária.

João, o ex-interno que hoje responde pela fabricação de pães e bolos de um supermercado inteiro, que o diga. Até entrar no programa, ele não teve empregos fixos e vivia de bicos. Após sair da Febem, se deparou com um mercado de trabalho difícil. ‘Estou contente’, diz João. ‘A empresa viu o meu potencial, não meu passado ruim.’