Estrada Velha passa a ser pólo ecoturístico

A Tribuna - Santos - Domingo, 18 de abril de 2004

seg, 19/04/2004 - 8h30 | Do Portal do Governo

Manuel Alves Fernandes, da Sucursal

O governador Geraldo Alckmin transformou ontem a Estrada Velha do Caminho do Mar em um pólo ecoturítico. Embora seja considerado um símbolo do período automobilístico do Brasil, a rodovia não receberá mais fluxo regular de veículos como ligação entre Cubatão e São Bernardo: só pessoas a pé e mesmo assim integradas a um projeto de visitas com prévio agendamento.

A partir de terça-feira, moradores do ABC e da Capital (maiores de 12 anos) poderão conhecer o parque, monitorados por uma organização não-governamental (ONG) contratada pela Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae). A visita dura cinco horas. Moradores da Baixada devem subir a serra, para participar do projeto. Nos próximos dois meses, também será criado um roteiro para moradores de Cubatão e Baixada Santista, que, ao invés de descer, subirão a serra a pé.

Atendendo a apelos do prefeito Clermont Castor (PL), do deputado Marcelo Bueno (PTB) e do presidente da Câmara de Cubatão, Luiz Carlos Costa, Alckmin determinou a implantação de um portal na entrada por Cubatão e a criação de um roteiro que comece pela Baixada.

Nova imagem

Acompanhado pela mulher, Lúcia Alckmin e por diversos secretários estaduais, entre eles o secretário de Cultura, Edmur Mesquita,

o governador inaugurou um portal, com estacionamento, no início da estrada, na região lagunar do Planalto. ‘‘Além de mostrar aos visitantes as maravilhas da Mata Atlântica, o principal objetivo do projeto é gerar o ecoemprego. A exploração turística vai gerar renda para as famílias que participarem dessa atividade’’, disse. Ele desceu a pé os oito quilômetros do trecho serrano da estrada, acompanhado pelos prefeitos Clermont Castor (Cubatão) e Beto Mansur (Santos) e cerca de 500 pessoas, entre políticos, praticantes de esportes, e populares.

O prefeito Clermont Castor (que destacou a importância da obra para a imagem de Cubatão e entregou uma placa em agradecimento a Alckmin) e o deputado Marcelo Bueno pediram ao governador que também mande treinar escolares de Cubatão para compor esse corpo de guias.

Segundo o governador, o projeto vai proporcionar momentos de lazer e cultura, preservando a Mata Atlântica, ‘‘através da educação das pessoas’’.

Fazendo côro a um discurso de Clermont Castor, Alckmin disse que as visitas ao parque vão mostrar a nova realidade ambiental de Cubatão: ‘‘Quem lembrar da poluição e da Mata Atlântica toda calcinada, certamente fará justiça a Franco Montoro e Mário Covas. O primeiro, porque controlou a poluição industrial; o segundo, porque desejava reabrir esta estrada para visitação pública. Aquilo que era um cemitério de árvores calcinadas hoje é a exuberância da Mata Atlântica, da qual esta estrada é um exemplo a ser exibido’’.

Último acidente

O governador concluiu a visita às 14 horas, no Cruzeiro Quinhentista, recepcionado por bandas e fanfarras de Cubatão. Encerrando a festa, um longo cortejo de veículos que descia a serra pela última vez, registrou o que será, possivelmente, o último acidente na estrada: uma colisão tripla, com danos de pequena monta, envolvendo os veículos placas SP-CDU-5255 (da Polícia Militar); BUZ 0160, de São Paulo; e DIZ 4431, também de São Paulo.

Assim terminaram os 96 anos da fase rodoviária da Estrada Velha do Caminho do Mar. A partir de agora, somente circularão por ela veículos de apoio e pessoas a pé.

Idéia surgiu no Governo Mem de Sá

A Estrada Velha do Caminho do Mar é uma espécie de museu da história e da cultura, agricultura e indústria paulista. Por esses caminhos da serra em busca do mar, antes da construção das rodovias Anchieta e dos Imigrantes circularam as principais figuras políticas da história brasileira, desde D. Pedro I, no dia em que proclamou a Independência (Calçada do Lorena), até Roberto Carlos, que exaltou a rodovia na célebre canção As curvas da estrada de Santos.

Antes, os caminhos eram trilhas de índios, pelos quais se subia segurando em raízes de árvores para vencer a muralha entre o litoral e o planalto, com cerca de 700 metros de altura. As primeiras idéias de se fazer estradas no Brasil surgiram em 1560, quando Mem de Sá encarregou os jesuítas, capitaneados pelo Padre José de Anchieta, de abrir novo caminho ligando São Vicente ao Planalto Piratininga.

Pedágio

Com o tempo, suas condições foram se deteriorando e, em 1661, o governo da Capitania de São Vicente mandou construir a Estrada do Mar, com mais de 70 pontes, que permitiam o tráfego de veículos. Numa terceira etapa, em 1789, Bernado José de Lorena, governador da Capitania, determinou a recuperação da Caminho do Mar e a pavimentação com lajes de granito no trecho da Serra, a chamada Calçada do Lorena, preservada ainda em parte.

Aproveitando nova lei do Império, que autorizava a existência de barreiras nas estradas com a cobrança de uma espécie de pedágio — a Renda da Barreira — desde que os recursos fossem nelas aplicados, começou em 1837 a construção da Estrada da Maioridade, usando parte do traçado da Estrada do Mar. A estranha denominação foi homenagem à maioridade de D. Pedro II. Em 1844, foi concluída e percorrida por D. Pedro II e Dona Tereza Cristina, em coche imperial.

Monumentos

Com o fim da lei da Renda da Barreira, a estrada foi abandonada até 1905, pois sofria a concorrência da linha férrea, inaugurada em 1867. Em 1913, a estrada comerçou a ser recuperada e em 1920 foi criada por Rudge Ramos a Sociedade Caminho do Mar, que reconstruiu a estrada e estabeleceu o pedágio.

Em 1921, Washington Luís, então presidente (na realidade governador) da Província de São Paulo, determinou a construção do conjunto de monumentos, visando destacar a importância da obra que ali se realizava e da importância histórica dos caminhos da serra para São Paulo e o litoral.

São esses monumentos que estão em estado de abandono e que o governo Alckmin promete recuperar.

Em 1922, o trecho mais íngreme da estrada foi pavimentado com placas de concreto, a título de experiência. Em 1923, o governo do Estado adquiriu a Sociedade Caminho do Mar e abriu a estrada ao público, cessando a cobrança de pedágio.

Primeira viagem de carro, há 96 anos, durou 36 horas

Da Reportagem

Ao contrário de Washington Luiz, para quem ‘‘governar era abrir estradas’’, Geraldo Alckmin fechou ontem definitivamente ao tráfego regular de veículos um dos caminhos por onde se desenvolveu a história da economia paulista e grande parte da história do País.

O Caminho do Mar foi a estrada paulista que registrou o primeiro reide (excursão, palavra usada na época) automobilístico entre o planalto e a capital. Os quatro participantes levaram 36 horas entre São Paulo e Santos há exatos 96 anos, completados ontem, quando Alckmin anunciou que a Estrada Velha agora só receberá visitantes a pé, ou no máximo transportados por pequenos veículos de apoio turístico.

Em toda a região, ainda há muita gente que passou com o pai e o avô por essa estrada, em veículos particulares ou nos ônibus da Viação Cometa. E também velhos caminhoneiros que desciam a estrada na ‘‘banguela’’ com muita coragem.

Um só coração

Segundo o falecido historiador Francisco Martins dos Santos (*), no início de 1908, o grande automobilista francês Conde Lesdain, levou 34 dias para percorrer a distância em caminhos de terra ladeando ferrovias, entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Saiu do Rio em 10 de março, com seu pequeno carro Brasser, de 12/16 cavalos de força e chegou a São Paulo na tarde de 12 de abril, percorrendo cerca de 700 quilômetros, tendo algumas vezes que rodar sobre o próprio leito da via férrea. A chegada foi um verdadeiro acontecimento.

Entre os esportistas de São Paulo afrontados com aquela coragem estava Antônio Prado Júnior (parente do Prado Júnior que apareceu recentemente na minissérie Um Só Coração, da Rede Globo. Rico, famoso no Brasil e na Europa, Prado já havia trazido para o seu estado o primeiro automóvel e decidiu tentar a travessia automobilística São Paulo-Santos pelo Caminho do Mar, que nunca havia recebido veículos pneumáticos.

Dia e meio

Na manhã de 16 de abril de 1908, (uma quinta-feira santa), partem de São Paulo, Capital, os primeiros ‘‘bandeirantes do motor’’: Antônio Prado Júnior; Clóvis Glicério, engenheiro; Mário Cardim, jornalista que fez o relato da aventura; e Bento Canabarro, um sertanista.

O carro — um monobloco de fabricação francesa —, que tinha dois cilindros fundidos e calibrados num só bloco, não possuia pára-lamas nem portas. Tinha 30 cavalos de força, potência impressionante para aquele tempo, e rodas grandes, de 30 centímetros de altura livre sobre o solo (muitos carros modernos nem chegam a ter 10 centímetros).

O primeiro reide automotorizado entre o planalto de Piratininga e a região da marinha paulista levou 36 horas e meia. Saíram pela manhã do dia 16 e chegaram ao cair da noite do dia 17 de abril. Nada menos de 25 horas foram gastas com o carro ‘‘rodando’’, ou com trabalhos e lutas para desimpedir o caminho, que desde 1867 estava praticamente abandonado. Até dinamite os excursionistas tiveram que usar, a fim de percorrer os 66 quilômetros que vão da Praça da Sé, em São Paulo, até a Praça dos Andradas, em Santos, com a média (efetiva) de 2,7 km/h.

(*) Citado na Poliantéia Santista, de Fernando Martins Lichti, sobrinho de Francisco Martins dos Santos e coletado no jornal eletrônico (www.novo milenio.inf.br) de Pimentel Mendes.