Estatuto do adolescente

O Estado de S. Paulo - 31/8/2003

seg, 01/09/2003 - 10h18 | Do Portal do Governo

Editorial


O secretário da Educação do Estado de São Paulo, Gabriel Chalita, sobre quem pesa a responsabilidade por uma das instituições mais problemáticas do governo – a famigerada Febem, cujo ‘bem-estar do menor’ contido na sigla se tornou até irônico -, tem percebido melhor do que ninguém os efeitos práticos da Lei n.º 8.069 de 13 de julho de 1990, ou seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que acabou de completar 13 anos de vigência, entrando (sem trocadilho) na plena fase adolescente, com todas as expectativas, indefinições e inseguranças que ela encerra.

Sem integrar o rol dos que julgam a leniência do ‘Estatuto’, em relação ao menor infrator, uma das principais causas do aumento vertiginoso dos índices de criminalidade no Brasil, especialmente em nossos grandes centros urbanos, quando a minoridade de alguns de seus componentes significa uma garantia de impunidade para muitas quadrilhas, o condutor da Educação estadual paulista apontou, com precisão, alguns pontos na lei que necessitam de urgente modificação – objetivo pelo qual ele irá iniciar uma campanha, segundo declarou em entrevista ao Jornal da Tarde de quarta-feira. Para o secretário ‘o Estatuto é bom, mas tornou-se sagrado e deve ser dessacralizado em certos tópicos, que interferem na recuperação de menores infratores’.

O primeiro tópico a ser mudado, na opinião de Chalita, diz respeito ao fato de o Estatuto não propor penas. Diz o secretário: ‘Um adulto, se pratica um crime, sabe quanto tempo ficará na prisão (se for pessimista a ponto de achar que necessariamente será preso – dizemos nós). O adolescente não, pois recebe medida socioeducativa, não uma pena. Na prática, isso gera enorme insegurança, que acaba prejudicando um bom relacionamento com monitores, com a justiça, etc. No meu entender, estabelecer prazo é uma questão de dar dignidade e de melhorar sua ansiedade na unidade.’ E Chalita mostrou como essa indefinição quanto ao tempo em que o menor infrator ficará recolhido – e a forma como será avaliado seu comportamento – pode fomentar rebeliões, em unidades como a de n.º 31, em Franco da Rocha, onde funcionários despreparados, que foram afastados, costumavam dizer para os internos:

‘Daqui vocês vão para o manicômio.’ Por esse motivo é que, para o menor infrator interno, ‘esperar o laudo que determinará sua liberdade ou a continuação da medida socioeducativa a cada período de avaliação, torna-se uma tortura’ – observa o secretário.

Outro ponto que Gabriel Chalita destaca: ‘Um interno com mais de 18 anos que cometa um crime dentro da Febem dever ser julgado como se estivesse na rua.

Não pode ter privilégios. Se mata alguém, por exemplo, deve ir para o sistema penitenciário, para se ter consciência de que a Febem não é um espaço de impunidade.’ De fato, temos assistido a crimes horripilantes, principalmente durante as rebeliões – como a degolação de desafetos – que estarrece poderem ser tratados apenas com ‘medidas socioeducativas’.

Por outro lado, como lembra o secretário, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que o Estado (no sentido de unidade da Federação) é responsável pelos adolescentes infratores em meio fechado e que as políticas de assistência social cabem aos municípios. Mas a maioria dos prefeitos não cumpre essa determinação. E Chalita fornece um exemplo bem elucidativo desse problema: ‘Um juiz tem três caminhos a dar para um menor infrator: prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida ou internamento. Suponhamos que o juiz de uma cidade do interior coloque o menor sob liberdade assistida. Se o município não tiver um programa desse tipo, o juiz vai interná-lo, com todas as conseqüências decorrentes.’

Na verdade é preciso ficar mais clara a responsabilização dos municípios em relação aos menores infratores, pois muitos deles – como lembra o secretário – rejeitam, sob diversos pretextos, a instalação de unidades da Febem em sua região, enquanto delas provém boa parte dos internos que ocupam unidades superlotadas de outras regiões do Estado. É claro que nesse ponto as soluções não virão apenas do campo legislativo federal, mas também do político-administrativo, estadual e municipal. Mas é preciso convir que as atribuições mal definidas na lei, em lugar de ajudarem, apenas atrapalham as soluções legais pretendidas.