Esperança que vem de helicóptero

Jornal da Tarde - Quarta-feira, 31 de agosto de 2005

qua, 31/08/2005 - 12h24 | Do Portal do Governo

Após 10 meses de espera para o transplante, Ana Paula Martini recebeu a notícia de que tinham encontrado pulmões compatíveis com os seus. Na corrida contra o tempo, os órgãos foram levados de São José dos Campos até o Incor de helicóptero

MARINÊS CAMPOS

O relógio, com os números pretos e grandes do saguão do Instituto do Coração (Incor), marcava 17h12 quando o helicóptero Pelicano, da Polícia Civil, pousou no topo do Hospital das Clínicas, em Pinheiros, vindo de São José dos Campos. Da janela, Marcos Roberto Martini, 38 anos, assistiu à chegada dos dois pulmões que dariam vida nova à sua mulher. Há três anos, Ana Paula, 35 anos, vivia quase sem poder respirar. Andava apenas dentro de casa, na cidade de Araras, a 170 quilômetros de São Paulo. Preferia não sair com os dois cateteres no nariz, carregando um cilindro de oxigênio. ‘Ela ficava com vergonha de sair daquele jeito’, conta o marido.

Às 17h15, a emoção de Marcos aumentou. Bem na frente dele, dois médicos corriam contra o tempo, no meio das pessoas que estavam no saguão, puxando um carrinho com uma caixa vermelha, onde se lia uma palavra: ‘pulmão’. ‘Nossa, vieram numa carriolinha’, se surpreendeu o homem, sotaque do interior, dono de um estacionamento e de uma farmácia, casado há 13 anos com Ana Paula.

A emoção começara cedo para o casal. Eram 8h30 quando o celular do sogro de Marcos tocou em Araras. Era o aviso da Central Estadual de Transplantes de que haviam encontrado órgãos compatíveis com os da mulher e que, depois de dez meses na fila de espera para se livrar dos cilindros de oxigênio, poderia respirar com os próprios pulmões – ela estava na fase avançada de bronquiectasia, doença que dilata os brônquios com acúmulo de secreção e dificulta a saída do ar dos pulmões. A doença é conseqüência de uma infecção viral.

‘Como é que pode? Já me falaram que só pessoas que entram muito em cavernas é que pegam esse tipo de fungo ou vírus. E a Ana nunca entrou numa caverna’, diz o marido. ‘Ela sempre teve problema de respiração, mas a gente achava que era bronquite.’ Três anos atrás, Ana Paula começou a piorar. ‘Fomos em muitos médicos. Um deles, em Limeira, me alertou: ‘Vá para São Paulo, porque o caso é sério.’ Num hospital paulistano, a má notícia. ‘Um médico me chamou e disse que a única solução seria o transplante.’

Em outubro do ano passado, ela entrou na fila de espera. Desde agosto de 2003, já foram realizados 24 transplantes de pulmão no Incor. Desse total, 10 foram duplos, incluindo o de Ana Paula, chamadas às pressas ontem de manhã.

De acordo com Luiz Augusto Pereira, coordenador da Central de Transplantes, a cirurgia também é realizada em outros hospitais. Neste ano, foram realizadas 13. Em 2004, o total foi de 19 e, no ano anterior, apenas 11. Hoje existem 30 pessoas precisando de um novo pulmão. Além da compatibilidade sanguínea, é preciso, também, haver semelhança nas dimensões.

‘Embora haja avanços em transplante de pulmão, muitos médicos desconhecem o procedimento’, explica o médico Fábio Jatene, diretor de cirurgia torácica do Incor e chefe da equipe de transplantes. Segundo ele, a captação do pulmão de doadores é complexa, já que o órgão é o primeiro a se deteriorar no processo da morte encefálica. Também é um órgão com alto poder de contaminação pelo ar, fator que inviabiliza a captação de cerca de 80% dos pulmões doados.

Mas nenhum fator negativo influenciou o transplante de Ana Paula. Os pulmões foram doados pela família de um homem de 50 anos, morto na madrugada de ontem de acidente vascular cerebral hemorrágico, no Vale do Paraíba. Depois de retirados, os pulmões do doador tinham de ser implantados em até 4 horas. ‘Graças a Deus, tudo deu certo’, comemorava Marcos. ‘Nem deu para arrumar a mala. Peguei meu carro e fui até um posto da Polícia Rodoviária de Limeira. Nos colocaram numa viatura e, em 1h10, estávamos no Incor.’