Escolha natural

Jornal da Tarde - Artigo - Quarta-feira, 7 de janeiro de 2004

qua, 07/01/2004 - 10h15 | Do Portal do Governo

* João Carlos de Souza Meirelles

A qualquer momento será anunciada a definição sobre a compra de duas dezenas de jatos FX para a FAB. O Brasil é o terceiro produtor mundial de aeronaves civis comerciais. Nada mais natural que as empresas nacionais vençam a corrida pela produção de caças militares.

Não, não somos belicosos. Mas entendemos que há um conteúdo de avanço tecnológico indispensável nesse processo. Afinal, as pistas de corrida inspiram as tecnologias transferidas para a frota comercial de automóveis. A modernidade de um Boeing 777 não seria possível sem a pesquisa para o desenvolvimento da aviação militar.

Portanto, está aí, no contrato da FAB, uma inadiável oportunidade para fomentar o desenvolvimento do País – a vitória na licitação de US$ 700 milhões vai gerar preciosos postos de trabalho – e para aplicar tecnologias inovadoras. Não se trata apenas da vitória de um produtor, mas de uma vasta rede articulada de pequenas, médias e grandes empresas que compõe o sistema aeroespacial brasileiro – ávido por uma injeção de recursos para consolidar-se com grande gerador e supridor mundial de tecnologia de ponta.

A transferência de tecnologia extrapola os limites do setor. Além de fuselagem, asas, motor, um avião inclui sofisticado equipamento de terra e de bordo. A tecnologia se transfere a um amplo leque de produtos e procedimentos. No caso, favorecerá não só aviões da FAB e, por extensão, a aviação comercial, mas os mais diferentes setores. E vai habilitar o Brasil, com seus parceiros internacionais, ao fornecimento de tecnologia para outros países.

A indústria aeronáutica brasileira conta com mais de três décadas de história – data de 1968 o vôo inaugural do bimotor Bandeirante, que permitiu a criação da Embraer, justamente com uma encomenda da FAB. E já vai longe o tempo em que os recursos humanos da aviação militar eram formados no Massachusetts Institute of Technology, nos EUA. A partir de 1950, o ITA, em São José dos Campos, tornou-se exemplar escola de engenharia aeroespacial. Lá desenvolveu-se também importante pólo de pesquisa e desenvolvimento, o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), que forjou a indústria aeroespacial brasileira.

São José dos Campos, em São Paulo, concentra 70% da indústria aeroespacial brasileira, com mais de 30 pequenos e médios fabricantes, fornecedores das grandes empresas do setor. O local foi o escolhido pelo País para acolher esse importante segmento da economia. É absolutamente natural prosseguir na consolidação desse conjunto.

Tão natural que o governo de São Paulo decidiu criar ali um parque tecnológico, um espaço que também deverá atrair, a partir de 2004, os centros de pesquisa e desenvolvimento da indústria mundial. O Parque Tecnológico Aeroespacial, em associação com ITA, CTA e Universidade do Vale do Paraíba (Univap), será fruto ainda de parceria com a prefeitura de São José e o governo federal.

Como o século 21 é o século do conhecimento e do desenvolvimento tecnológico, é imprescindível que o governo federal use o contrato da FAB para alavancar a indústria nacional.

Os argumentos são relevantes. Para se ter uma idéia da importância da indústria aeroespacial no saldo positivo da balança comercial do País, quando (em 2001) o faturamento total ficou em torno de R$ 10 bilhões, as exportações (principal receita do setor) atingiram US$ 3,4 bilhões. São produtos de alto valor agregado: um avião militar pode acumular, em média, US$ 5 mil por quilo.

Como já vimos, materiais de defesa nacional ampliam as possibilidades de uma nação no comércio exterior, com a diversidade conseqüente da produção bélica. Só em 2003 o governo americano aplicou quase US$ 400 bilhões na área militar, o que permitiu a criação de sofisticados produtos de uso civul. Além disso, dá para imaginar quantos empregos representam esses US$ 400 bilhões.

Lá, os cidadãos percebem as aplicações na indústria militar como investimentos. A população de Wichita, Kansas, capital aeronáutica dos Estados Unidos, rechaça totalmente a importação de artigos militares. Um exemplo a ser seguido na reabertura da concorrência internacional para a compra de supersônicos para reaparelhar a Força Aérea Brasileira. A ofensiva política pela escolha de uma empresa brasileira ganhou força em Brasília, com o lançamento, há um mês, na Câmara Federal, de uma Frente Parlamentar encabeçada pelo deputado federal Marcelo Ortiz (PV). A Frente reivindica a garantia da competitividade da indústria aeronáutica brasileira. Para isso, basta optar pela compra de aeronaves projetadas e produzidas em nosso país, contribuindo para o investimento privado em ciência e tecnologia e gerando trabalho e renda para os brasileiros.

* João Carlos de Souza Meirelles é secretário da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de São Paulo