Escolas públicas de sucesso

Jornal da Tarde - Quinta-feira, 6 de novembro de 2003

qui, 06/11/2003 - 10h19 | Do Portal do Governo

A maior parte delas está em regiões pobres e violentas e, como em todas as outras, os recursos são escassos. Mas em algumas escolas públicas estaduais, esse quadro não representa um problema. Com criatividade do corpo docente e apoio da comunidade diversos colégios têm criado projetos pedagógicos inovadores, mudando o estigma negativo da rede pública. As experiências de cinco ‘escolas modelo’ revelam que o caminho do sucesso é árduo. Vencer a violência e conseguir motivar pais, alunos e funcionários faz parte da receita de algumas delas. Uma característica comum a todas as escolas é o perfil ativo de professores e da direção. ‘Só uma gestão aberta é capaz de captar e aplicar novas idéias’, comenta a professora Fernanda Rezende Nunes, pesquisadora da Unesco, a agência das Nações Unidas especializada em educação.

Por Bruno Tavares


Orestes tem seu próprio provão

O colégio do Canindé teve sucesso na luta contra a violência.
Seus projetos pedagógicos, hoje, são exemplos

Antes de ser considerada referência em ensino, a Escola Estadual Orestes Guimarães, no Canindé, na Zona Norte, teve de combater a violência. ‘Alunos cabulando aula e xingamentos dentro de classe eram comuns’, conta a coordenadora Célia Cristina Contri.

Hoje, os projetos pedagógicos criados pela Orestes Guimarães são exemplos para outras escolas da rede pública. Um deles é o ‘Provão’. No início e no final de cada semestre, alunos de 1ª a 4ª série do ensino fundamental e de 8ª série do fundamental a 3ª série do ensino médio fazem uma prova com 50 questões de múltipla escolha. ‘É uma forma de acompanhar a evolução dos estudantes ao longo do ano, e também de prepará-los para os vestibulares ou concursos’, explica Célia.

A escola também desenvolveu um sistema próprio de aulas de reforço. Alunos que apresentam dificuldades para ler e escrever, por exemplo, assistem aulas nas séries onde o conteúdo já foi ministrado. ‘Uma criança que está na quarta série do Ensino Fundamental, mas tira notas ruins em uma determinada matéria é aconselhada a freqüentar, como ouvinte, aulas na série anterior’, conta a coordenadora. Dessa forma, diz Célia, a defasagem é resolvida sem que o estudante seja reprovado.

A pedido dos alunos, também há aulas de orientação sexual. A abordagem varia de acordo com as séries e, como apoio às explicações, os professores mostram filmes e promovem palestras. À noite, a platéia é formada por pais.

Os funcionários são unânimes em dizer que as transformações só ocorreram graças ao perfil da direção. ‘Não posso fazer críticas sem colocar nada no lugar. Temos que pensar em alternativas’, diz o diretor, José Cardonha. No próximo ano, a escola deve ganhar um auditório e uma nova sala de informática. E para acabar de vez com a má fama, vai trocar de nome. Uma bela volta por cima para um colégio que, até há quatro anos, sequer tinha banheiros suficientes.

‘Mocam’ aposta na leitura

Na Professor Moacyr Campos, na Zona Leste, há até competição para
saber que lê mais. Maioria dos estudantes é de filhos de ex-alunos

A Escola Estadual Professor Moacyr Campos, em São Mateus, Zona Leste, é motivo de orgulho para a comunidade local. Boa parte dos 3.330 estudantes matriculados da 5ª série do ensino fundamental a 3ª série do ensino médio é filho ou parente de ex-alunos. E 40% do quadro de professores também freqüentou o colégio. ‘Como os moradores da região se formaram aqui, existe identificação com a escola’, revela o coordenador pedagógico, Elisiário dos Santos Filho.

Para ele, esse é um dos principais motivos do sucesso da ‘Mocam’ – como a escola é conhecida no bairro. ‘Houve uma transmissão de qualidade: quem já passou por aqui luta para oferecer a mesma condição para seus filhos’, diz Santos Filho.

A base do projeto pedagógico da escola é voltada para a leitura. ‘Nosso objetivo é preparar o aluno para ler o mundo’, explica o coordenador. Com isso, a biblioteca, com pouco mais de 5 mil volumes, é tão freqüentada quanto as duas quadras poliesportivas. Periodicamente, são divulgados os números de empréstimos de livros, de acordo com cada classe. Pelo último resultado, os alunos da 5ª e 6ª séries do ensino fundamental foram os visitantes mais assíduos. ‘Com essa iniciativa, criamos entre os estudantes uma espécie de competição para ver quem lê mais’, brinca o coordenador.

Filho de uma costureira e de um carregador de entulho desempregado, Felipe, de 12 anos, é apontado pelos funcionários como um leitor voraz. ‘Gosto de brincar, mas também sei que é importante estudar’, diz o garoto, que sonha ser desenhista. Já Amanda, de 11 anos, admira a obra de José de Alencar. ‘Acho interessante a forma como ele vê o mundo’, comenta a estudante.

Neste ano, a escola organizou sua primeira Feira do Livro. Com um trabalho de pesquisa de opinião sobre cinema, um grupo de alunos também foi selecionado para participar do 2º Congresso Ibope-Unesco.

A Mocam integra ainda um projeto de intercâmbio cultural financiado pela iniciativa privada. Como participante, ganhou seis computadores – com banda larga para acesso à internet – e troca experiências com outras escolas do País e do exterior. ‘Neste ano, estamos desenvolvendo um trabalho sobre cidadania com uma escola em Teodoro Sampaio, na Bahia. Em 2002, foi com o Chile’, conta o coordenador.

Internet para estimular os alunos

Na Bonifácio Carvalho, em São Caetano do Sul, a sala de informática foi modernizada

A maioria dos projetos desenvolvidos pela Escola Estadual Coronel Bonifácio Carvalho, em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, ocorre dentro das duas salas de informática. Utilizar a internet como ferramenta de aprendizado foi a alternativa encontrada pelos professores para despertar o interesse dos quase 2 mil alunos.

A modernização das salas, que incluiu a instalação de banda larga para acesso à internet e a compra de mais computadores, foi paga pela prefeitura do município. Com os novos aparelhos, os estudantes podem trocar experiências com outras escolas. ‘O que o aluno aprenderia durante as aulas é feito pela internet. É possível aprofundar questões de maneira interessante e descobrir outras realidades’, conta o professor de história Sílvio Antônio Ferreira de Oliveira. ‘Já fizemos isso com alunos de Manaus e nossos estudantes gostaram.’

Também pela rede mundial de computadores, a Bonifácio Carvalho discute a questão da fome no País. A pergunta ‘de quem é o problema da fome?’ é feita para outros estudantes e as respostas chegam por e-mail. O material coletado serve como apoio durante as aulas e fica à disposição dos internautas no site da escola.

Em outro projeto, professores de português e inglês tentam estimular os alunos a fazer pesquisas. ‘Fornecemos textos com informações curiosas e os estudantes têm de encontrar mais dados sobre o tema’, conta Oliveira.

A professora de física e matemática Maria Cristina de Mello Fernandes também trouxe novidades para as turmas da 8ª série: as classes escolhem o tema que deve ser aprofundado. ‘Uma turma disse que gostaria de estudar o conteúdo dos vestibulinhos para escola técnica. Falei que era um teste, mas como adolescente adora um desafio, deu certo.’

Mesmo sem contar com apoio maciço da comunidade, a escola nunca registrou caso grave de violência. ‘O vínculo existe por causa do bom relacionamento entre funcionários e alunos’, diz a diretora, Neide Castro de Godói.

Deficientes em colégio estadual

A Pandiá Calógeras, na Mooca, é uma das poucas que prestam esses serviços.
E tem apoio da comunidade

A Escola Estadual Pandiá Calógeras, na Mooca, Zona Leste, é uma das poucas na cidade que atendem deficientes mentais – poucos colégios estaduais da Capital têm capacidade para receber crianças com esse tipo de deficiência.

O apoio da comunidade, de acordo com o corpo docente, também contribui para a criação de projetos pedagógicos.

Um deles é a oficina de histórias. Uma vez por mês, um professor voluntário ligado a uma ONG visita a escola para contar histórias para os 800 alunos de 1ª a 4ª série do ensino fundamental. ‘Baseado no enredo, cada estudante escreve um pequeno livro’, comenta a coordenadora Maria de Fátima Ferreira Livoratti.

Outro projeto destacado por ela é o jornal na sala de aula. ‘Os professores trazem os jornais e explicam como é elaborada cada seção. Em seguida, são os alunos quem produzem suas publicações’, diz Maria de Fátima. O último impresso feito pelas crianças tinha como tema o meio ambiente. Também foram abordadas questões sobre chuvas e poluição.

No projeto saúde e nutrição, as crianças aprendem a fazer um cardápio saudável. ‘Depois, cada grupo escolhe uma receita e prepara um lanche com bolos, salada de fruta e outras comidas’, conta a coordenadora. No segundo semestre, os professores mostram o valor nutritivo de cada alimento.

Em 2004, a escola deve ganhar uma sala de informática. Atualmente, apenas os alunos das classes especiais têm acesso aos computadores. A Pandiá Calógeras atende, em dois períodos, 30 crianças com deficiência mental leve. Elas ficam nas salas especiais e, de acordo com a avaliação dos professores, são encaminhadas às classes comuns. ‘No dia-a-dia, procuramos fazer com que eles se sintam iguais a qualquer criança’, diz a coordenadora.

Aprendendo com as próprias criações

Neste ano a Escola Estadual Leda Guimarães, em Parelheiros, Zona Sul, comemora o quarto aniversário de um projeto que mudou a rotina do colégio. O Sala Aberta tem relação com as matérias ministradas em sala, mas a abordagem é outra. Em peças de teatro, apresentações de dança, palestras e letras de música, os alunos aprendem com suas próprias criações.

‘Os professores lançam desafios e os alunos começam a pesquisar’, explica a vice-diretora Nair Gonçalves Vieira de Andrade. Assim que o trabalho é concluído, há uma apresentação para os colegas de classe e, depois, para toda a escola. O último tratou sobre as doenças sexualmente transmissíveis.

Segundo Nair, o projeto fez com que os alunos tivessem mais interesse pelo colégio. ‘Eles têm um envolvimento maior, pois aprendem de maneiras diferentes. Além disso, fazem parte do projeto de criação’, avalia. O Sala Aberta é apresentado diversas vezes ao longo do ano letivo – cada professor costuma desenvolver dois trabalhos. Desde o início, a participação dos 1.200 alunos, de 5ª série do ensino fundamental a 3ª série do ensino médio, é maciça.