Era uma vez a detenção

O Estado de S. Paulo - 9/12/2002

seg, 09/12/2002 - 11h15 | Do Portal do Governo

Três dos sete pavilhões do maior presídio da América Latina vieram abaixo na manhã de ontem

Virou pó. Três dos sete pavilhões do maior presídio da América Latina, a Casa de Detenção de São Paulo, foram implodidos ontem de manhã, obra de 280 quilos de explosivos detonados em sete segundos. Um cálculo de engenharia pôs fim à vida do presídio onde os presos traçavam túneis de quase 70 metros e aplicavam fórmulas jurídicas para saber quando sairiam livres. Ali, a força das gangues era medida pelo número de facas. Era o presídio no qual o funcionário Paulo Braga, de 44 anos, nasceu e onde o cantor André do Rap, ex-presidiário, viu quatro colegas serem mortos pela polícia no massacre de 111 presos no Pavilhão 9, em 1992.

‘A Casa de Detenção morre como viveu: sem deixar saudades’, disse o governador Geraldo Alckmin (PSDB). No fim da festa, o governador distribuiu autógrafos para a população, assinando até em skates. A operação de implosão envolveu 800 pessoas. A Eletropaulo cortou a luz da Rua Antônio dos Santos Neto, cujos 131 moradores foram retirados – 12 foram levados para um hotel e os outros aceitaram o convite do governo para assistir à implosão. A Companhia de Gás de São Paulo (Comgás) e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) verificaram as tubulações da região e o metrô parou por 11 minutos.

Nitroglicerina – Os engenheiros levaram 16 horas para fazer 1.800 furos nos Pavilhões 6, 8 e 9, onde colocaram uma mistura de nitroglicerina e nitrato de amônia. Um dos responsáveis pelo trabalho, o engenheiro Apolo Massao Imaguma, chegou às 5 horas de ontem ao Carandiru.

Era necessário conferir tudo – trabalho que acabou às 9 horas. Os prédios ficaram vazios – os últimos 74 detentos saíram em 15 de setembro. Nesse horário, secretários, deputados e funcionários da Secretaria da Administração Penitenciária já começavam a encher a área reservada ao lado do Pavilhão 8 para os convidados do governo assistirem ao fim do lugar onde os guardas faziam contagens diárias para saber se algum preso escapara – uma vez apanharam um com 25 quilos de dinamite. Uma prisão cujas celas transformaram-se em propriedade dos presos, que as reformavam e as revendiam a outros detentos quando saíam da prisão.

Por volta das 10h30 chegaram o governador e o ministro da Justiça, Paulo de Tarso Ramos Ribeiro, que, com o secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, iam apertar os botões que detonariam os pavilhões às 11 horas. No meio da multidão passava quase despercebido o agente penitenciário Paulo Braga. ‘Você está em cima de onde eu nasci’, mostrou. No lugar já não havia nada que lembrasse as antigas casas dos funcionários da prisão na época de sua inauguração, há 46 anos. Como ele, o pai de Braga trabalhava na prisão. ‘Morei aqui 19 anos’, contou.

Outro que passou por ali foi o cantor André do Rap. Foram sete anos no lugar, parte deles em uma cela do Pavilhão 9, onde chegou pouco antes do massacre. ‘Destruir o Carandiru não vai terminar com a opressão no sistema penitenciário’, acredita.

Sirene – Começou a chover pouco depois de o governador chegar. Às 10h56, ele, o ministro e o secretário Furukawa subiram no pequeno palanque onde estava o detonador dos explosivos. Às 11 horas, a sirene tocou e os três apertaram o botão. Primeiro, um estouro surdo e o Pavilhão 9 caiu. Na seqüência, o Pavilhão 8 e, por fim, o 6, já quase coberto pela nuvem de poeira vermelha. ‘São Paulo sai na frente ao acabar com um modelo ultrapassado de prisão que era uma escola do crime’, disse o ministro.

Os 7.470 presos da Detenção foram para 11 prisões no interior do Estado com oficinas de trabalho, salas de aula. Estão separados segundo o crime que cometeram. O governo agora planeja construir mais uma penitenciária de segurança máxima para abrigar grandes ladrões de banco, traficantes de drogas e seqüestradores, ao custo de R$ 12 milhões. ‘A cada ano aumenta em 11 mil o número de presos no Estado. Por isso, precisamos de novas prisões e de mais penas alternativas’, disse Furukawa. O fenômeno é nacional: de 2001 para 2002, o número de presos no Brasil, por 100 mil habitantes, cresceu de 105 para 144.

O governo anunciou ainda que as obras para o futuro parque começam ainda neste ano, na área ao lado da muralha do presídio. Serão feitas dez quadras poliesportivas, pista de cooper, de skate e banheiros. Tudo ficará aberto até a noite. Depois, será feita a segunda parte do parque, que inclui uma área de 52 mil metros quadrados de Mata Atlântica e a reforma dos quatro pavilhões restantes, que abrigarão oficinas e salas de aula.

Marcelo Godoy