Epilepsia: preconceito ainda é barreira

Correio Popular - Terça-feira, dia 5 de setembro de 2006

ter, 05/09/2006 - 10h51 | Do Portal do Governo

ONG alerta que 40% dos epiléticos de Campinas não são tratados adequadamente e 20% sequer recebem tratamento

Raquel Lima

DA AGÊNCIA ANHANGÜERA

rlima@rac.com.br

Quando tinha 18 anos, a analista técnica Maria Inês Dias levou um susto quando o seu braço esquerdo adormeceu. Mas achou que era apenas uma cãibra e não procurou ajuda médica. Dois anos depois, teve o primeiro desmaio e os exames neurológicos diagnosticaram epilepsia. Hoje, aos 44 anos, toma a medicação diariamente e, assim, consegue manter a situação controlada. “Tenho uma vida normal”, afirmou. No entanto, de acordo com a organização não-governamental (ONG) Assistência à Saúde de Pacientes com Epilepsia (Aspe), com sede em Campinas, 40% dos campineiros afetados pela doença não recebem tratamento adequado. Desse grupo, 20% não fazem qualquer tratamento. A estimativa da ONG é que 1% da população de Campinas (pouco mais de mil pessoas) tenha epilepsia.

Segundo a psicóloga Paula Fernandes, presidente da Aspe, isso ocorre porque a pessoa não sabe que tem a doença ou porque não aceita a situação. “Ainda há muito preconceito e falta de informação por parte da sociedade. Por isso, muitas pessoas preferem não procurar ajuda para não se expor”, explicou Paula. “Procuro não comentar muito com as pessoas sobre o assunto porque a doença ainda causa um estigma, uma barreira”, admitiu Maria Inês.

Para tirar a epilepsia “das sombras”, a Aspe, em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), iniciou na última semana a IV Semana Nacional de Epilepsia, com uma série de palestras e atividades. O evento faz parte de uma campanha internacional da Organização Mundial da Saúde (OMS) e termina no próximo sábado, com a celebração do Dia da Conscientização da Epilepsia. Vários estantes com informações sobre a doença serão montados nos shoppings de Campinas. “Trabalhamos para divulgar o tema e fazer com que as pessoas com epilepsia sejam tratadas de forma igualitária na sociedade”, disse Paula. A pesquisa, que foi coordenada pela presidente da Aspe, apontou que o preconceito é maior entre as mulheres e menor entre as pessoas com maior escolaridade e classe social.

O neurologista da Unicamp Li Li Min, fundador da Aspe, ressaltou que o não-tratamento da epilepsia pode trazer sérias conseqüências ao paciente, até mesmo levar à morte. “Quando se faz o tratamento, o paciente torna-se uma pessoa que toma remédio, mas com qualidade de vida”, declarou o especialista. Min alertou para o fato de parte da comunidade médica não estar preparada para atender pacientes com epilepsia.

De acordo com a Aspe, a epilepsia é a condição neurológica crônica mais comum em todo o mundo e afeta todas as idades, raças e classes sociais.

Ainda segundo estimativas da ONG, no Brasil existem 3 milhões de pessoas com epilepsia, sendo que a este número somam-se 300 novos casos por dia. Aproximadamente 50% dos casos de epilepsia têm início na infância e adolescência.

Hospital faz cirurgias com sucesso

O Hospital Estadual Brigadeiro, da Secretaria de Estado de Saúde, é o primeiro da América do Sul que passa a oferecer um novo tipo de cirurgia para epilepsia: o implante cerebral de eletrodos profundos em portadores da doença. As duas primeiras cirurgias com a nova técnica foram realizadas no mês passado pelo hospital e consideradas um sucesso pela equipe. Os pacientes, uma mulher de 32 anos, e um garoto de 18, ambos com quadros epiléticos graves, se recuperam bem e não tiveram novas crises, de acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde.

De acordo com a diretora do Brigadeiro, Zeni Tolói, a cirurgia vai beneficiar principalmente pacientes graves que não responderam ao tratamento com remédios ou a cirurgias convencionais. Segundo ela, a expectativa é realizar anualmente dez cirurgias com a utilização da nova técnica, o que representa investimento de R$ 640 mil. O implante de eletrodos profundos é usado para a estimulação elétrica das regiões cerebrais, sem necessidade de cortes ou remoções. A técnica, recomendada para epilepsias de difícil controle, utiliza eletrodos monitorados por telemetria, o que permite modificar a potência da estimulação cerebral no acompanhamento pós-cirúrgico.

Considerado referência no tratamento da epilepsia, o Hospital Estadual Brigadeiro operou cerca de 1,5 mil portadores da doença nos últimos dez anos. Além de cirurgias resectivas e desconectivas, a unidade oferece técnicas como implante de eletrodos subdurais (abaixo da membrana que envolve o cérebro) e é o único hospital público do País a realizar rotineiramente o implante de eletrodos vagais (colocados no pescoço do paciente). (RL/AAN)

SERVIÇO

Assistência à Saúde de Pacientes com Epilepsia (Aspe)

Telefone: (19) 3788-7292

E-mail: info@aspebrasil.org

Site: www.aspebrasil.org

SAIBA MAIS – Veja o que é a epilepsia, suas causas e como agir em momentos de crise

O que é epilepsia?

A epilepsia é um distúrbio do cérebro que se expressa por crises epiléticas repetidas. Essas crises são resultado da excessiva descarga elétrica anormal e transitória das células nervosas.

O que causa a epilepsia?

A epilepsia pode ser causada por praticamente todas as doenças ou distúrbios graves nos seres humanos, como anomalias congênitas, infecções, tumores, doenças vasculares, doenças degenerativas ou lesões cerebrais.

Como as crises epilépticas podem se manifestar?

A crise convulsiva é a forma mais conhecida pelas pessoas. Mas há ainda a crise do tipo “ausência”, que é conhecida como “desligamentos”, e a crise que se manifesta como se a pessoas estivesse “alerta”, mas não tem controle de seus atos, fazendo movimentos automaticamente. Existem outros tipos de crises que podem provocar quedas ao solo sem nenhum movimento ou contrações ou, então, ter percepções visuais ou auditivas estranhas ou, ainda, alterações transitórias da memória.

Crise convulsiva sempre significa que a pessoa tem epilepsia?

Não. Crises convulsivas podem ocorrer em outras situações (como em alguns distúrbios metabólicos), não significando que a pessoa tenha epilepsia.

A saliva transmite epilepsia?

A epilepsia não é transmitida pela saliva.

O estresse influencia na ocorrência de crises?

Sim. O estresse é um desencadeante de crises, ou seja, na pessoa com epilepsia, ele facilita a ocorrência delas.

O estresse causa epilepsia?

Não. Ele somente facilita a ocorrência de crises epiléticas quando a pessoa já tem epilepsia.

A medicação antiepilética deve ser tomada pelo resto da vida?

Setenta por cento das pessoas com epilepsia deixam de ter crises em algum momento da vida, com ou sem uso de medicação. Desses, 70% podem deixar de usar medicações sem voltar a ter crises. Os outros 30% conseguem deixar de ter crises mas devem continuar a usar medicações ou então voltarão a apresentar crises. Os quatro medicamentos básicos são distribuídos gratuitamente pele rede de Saúde.

O que fazer durante uma crise convulsiva?

Manter a calma.

Procurar tirar de perto tudo o que pode machucar a pessoa.

Colocar algo macio embaixo da cabeça da pessoa.

Colocar a cabeça dela de lado e, se possível, seu corpo também.

Aguardar a crise parar.

Depois que ela estiver consciente, explicar-lhe que ela teve uma crise.

Se a crise durar mais que dez minutos, levá-la ao pronto-socorro.