Entrevista Ronaldo Marzagão: “Condutas desviantes são a exceção, não a regra”

Folha de São Paulo, 6 de setembro de 2008

sáb, 06/09/2008 - 17h19 | Do Portal do Governo

Entrevista Ronaldo Marzagão

“Condutas desviantes são a exceção, não a regra” JOSÉ ERNESTO CREDENDIO

DA REPORTAGEM LOCAL

O secretário da Segurança Pública de São Paulo, Ronaldo Marzagão, afirmou ontem que a suposta tortura cometida por policiais contra os três jovens mantidos presos por dois anos pela morte de uma mulher em Guarulhos é uma “exceção” e que a política do governo tem como princípio básico o respeito aos direitos humanos. Marzagão, que já trabalhou na PM, no Ministério Público e como advogado criminalista, diz que o caso ainda deve ser investigado. “Se amanhã ficar provado que houve tortura, penso que não se pode confundir a floresta com a árvore.” Sobre as reivindicações salariais da Polícia Civil, que ameaça entrar em greve, Marzagão afirma que o governo José Serra (PSDB) já vem concedendo reajustes à polícia, mas que há limites no Orçamento. “O governo tem uma política de valorização, que neste ano está passando por tratativas.” Leia trechos da entrevista concedida ontem pelo secretário em seu gabinete:

 

FOLHA – Passados tantos anos do fim do regime militar (1964-1985), a tortura ainda é comum na polícia?

RONALDO MARZAGÃO
– A atuação da polícia deve ser firme, mas respeitando os direitos básicos da cidadania, entre os quais não ser torturado nem ser submetido a penas cruéis. Nossa política é de respeito aos direitos humanos. Em nossos cursos de formação, você vai encontrar uma carga horária grande de direitos humanos, tanto para o pessoal operacional como para a cúpula. Se é que houve tortura, as condutas desviantes têm que ser tomadas como exceção, não como regra. Se amanhã ficar provado que houve tortura, penso que não se pode confundir a floresta com a árvore.

Determinei hoje [ontem] ao delegado-geral que o caso seja avocado pela Corregedoria Geral da Polícia, que tem mais meios e mais estrutura para apurar com rigor. FOLHA – Nesse mesmo caso, os réus ficaram dois anos presos à espera de julgamento. A lentidão da Justiça não induz ao crime?

MARZAGÃO
– O que vale na sanção não é nem tanto a intensidade, mas a rapidez como é aplicada. Um exemplo: um cidadão dirige perigosamente.

Ao cometer um crime, haverá todo aquele período de apuração. Mas, se tomar a multa, sente imediatamente. Às vezes, o que inibe o crime não é a intensidade da sanção, mas a rapidez com que é imposta.

[Por exemplo] há uma tendência de que o indivíduo que comete transgressões de trânsito impunemente possa cometer outros crimes, o que pode levar ao estado de anomia. FOLHA – Em sua gestão surgiram casos rumorosos de corrupção, mas raramente se vê policiais presos. Há impunidade, lentidão?

MARZAGÃO
– Corrupção grassa nos escalões inferiores quando é tolerada nos superiores. Política de segurança não tolera nenhum tipo de corrupção. Temos procurado fortalecer as corregedorias, lembrando sempre que cortar a própria carne não é trair companheiros, mas sim dar credibilidade e respeitabilidade à instituição. Temos casos de abusos, de denúncias, de PMs identificados, com atuação conjunta do departamento de homicídios e da Corregedoria da PM.

No que tange à Polícia Civil, tivemos recentemente o afastamento de mais de 20 delegados do Detran para investigações de supostas irregularidades [venda de CNHs]. Não é muito fácil apurar a corrupção, pois em geral aquele que oferece vantagem ao funcionário não se interessa em colaborar. Se não houver flagrante ou prova forte, é muito difícil.

FOLHA – O corporativismo não barra a punição de policiais?

MARZAGÃO – Se houver, pode efetivamente atrapalhar, seria negar o óbvio. Mas nenhuma investigação da polícia que se transforme em inquérito deixa de ser apreciada pelo Ministério Público e pelo Judiciário. E há normas que o Estado mesmo impõe como limitação ao arbítrio, para que se tenha a percepção penal desenvolvida, como forma de garantir a cidadania, ainda que se tenha o tempo das apurações alargado.