Ensino médio reprovado

Jornal O Globo - Domingo, 11 de março de 2007

qua, 14/03/2007 - 16h52 | Do Portal do Governo

Do Jornal O Globo

O ensino médio fluminense acaba de ser reprovado em avaliação feita pelo Instituto Unibanco. Segundo o levantamento “O ensino médio no Estado do Rio de Janeiro”, quando o assunto é a educação que deveria estar sendo direcionada a jovens de 15 a 17 anos, a situação do estado mostra-se pior do que as de São Paulo e Minas Gerais, seus “colegas” de Região Sudeste. No Rio, os alunos já saem do ensino fundamental atrasados, chegam ao antigo segundo grau desmotivados, repetem muito de ano e acabam abandonando a escola. O estudo foi feito entre abril e outubro de 2006, por uma equipe composta pelos economistas Alberto de Mello e Souza e André Urani, a socióloga Maria Cristina Leal, o matemático Ruben Klein e o engenheiro Roberto Boclin.

Estamos falando do ensino médio como um todo, mas é bom ter em mente que houve uma redução da participação das matrículas em escolas privadas de 46%, em 1980, para 14%, em 2000. Hoje, dois terços das escolas de ensino médio são estaduais. De acordo com o estudo, a rápida expansão de matrículas conviveu com a falta de políticas educacionais capazes de melhorar o desempenho do ensino médio. Aqui, menos da metade desses jovens (40%) está nas turmas em que deveria. O atraso escolar – estabelecido pela diferença entre a taxa de escolarização bruta (alunos de todas as idades matriculados do 1º ao 3º ano) e a taxa de escolarização líquida (quem realmente deveria estar nessas séries: alunos de 15 a 17 anos) – já chega a 61,5%, contra 38,5% em São Paulo e 29,2% em Minas. Já a taxa de repetência, que em São Paulo caiu de 28% para 14,5% entre 1981 e 2001, no Rio foi constante nesse período: 22%. Não por acaso, a taxa de distorção idade/série por aqui também não se alterou muito entre 1999 e 2005: ficou em 55,7%, enquanto em São Paulo baixou de 42,3% para 24,3% e, em Minas, de 59,1% para 39,7%.

Números se refletem em desemprego e violência

O trabalho do Instituto Unibanco mostra ainda os reflexos desses números nos índices de desemprego, violência e gravidez na adolescência. De acordo com ele, por exemplo, o percentual de meninas entre 15 e 19 anos com filhos (nascidos vivos) é de 18,1% entre as 20% mais pobres, contra 1% entre as 20% mais ricas.

– É a falência do ensino. E sem educação não há futuro possível. O ensino médio é fundamental. Esses jovens hoje não têm qualquer perspectiva que não seja pagode ou futebol. Até para trabalhar numa sapataria em Santa Cruz é preciso ter escolaridade, saber usar o computador – diz Urani, responsável pela parte do levantamento que mostra que a taxa de desemprego cresceu no Rio mais de 60% desde o início da década de 90, dobrando entre os jovens de 15 a 24 anos, estando hoje em 25%. – Não por acaso, acontecem casos como o do menino João Hélio. Claro que não dá para se explicar todos os casos de violência urbana pela falta de educação. Mas, para cometer determinado tipo de barbárie, ou se está drogado ou não se tem nada a perder.

Para Urani, também o declínio econômico do Rio pode ser explicado por várias causas abordadas no trabalho e expresso pela queda relativa do PIB estadual de 20% para 12%, seu valor permanente há três décadas. Mas por que a situação da educação no Rio é pior? Segundo Alberto de Mello e Souza, em Minas e São Paulo foi feito um esforço para melhorar indicadores como fluxo escolar e produtividade.

– Entre 1999 e 2004, houve uma piora no Brasil como um todo em índices como evasão escolar e repetência. Mas o Rio de Janeiro piorou bem mais que a média – constata Mello e Souza. – Minas teve uma reforma educacional com o então secretário de Educação, Walfrido dos Mares Guia. O ex-governador de São Paulo Mário Covas também teve uma secretaria bastante atuante. No Rio, diria que a fusão com o estado da Guanabara atrapalhou muito, pois misturou uma estrutura que funcionava muito bem e outra que funcionava muito mal. O estado também teve uma expansão muito rápida das matrículas. E o sistema, que não estava preparado para isso, não deu conta. Fora isso, os professores aqui não recebem aumento há mais de dez anos.

Baixos salários são a principal causa do problema, para Maria das Dores Motta, coordenadora-geral do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe):

– Não é surpresa esse resultado. Prova que o projeto Nova Escola é uma farsa. Não repercutiu na qualidade do ensino, em nada. Temos uma situação gravíssima no estado. Há profissionais dando 60 aulas por semana. Isso é desumano! Há desinteresse e descaso para com os profissionais por parte do estado. Desmotivados, fica difícil apresentarem melhores resultados.

Com eles concorda o secretário estadual de Educação do Rio, Nelson Maculan, que, como o governador Sérgio Cabral, recebeu uma cópia do trabalho, que está sendo impresso em livro:

– Esses dois estados deram aumentos aos seus professores nos últimos 11 anos. Só perdem para Brasília quando o assunto é a valorização dos profissionais. Hoje, até o piso do município do Rio é o dobro do piso do estado. Nosso projeto para os próximos quatro anos é melhorar isso, e oferecer a eles melhor capacitação. Também precisamos aumentar as vagas no curso diurno. Por falta de espaço físico, 57% das nossas vagas são noturnas. Nossos jovens precisam estudar de dia. Não conheço país rico em que o estudo ocupa só três ou quatro horas do dia, como acontece nos cursos noturnos.

Segundo Tomas Zinner, presidente do Instituto Unibanco, o estado hoje reprovado ainda tem chances de recuperação. Mas, para isso, é preciso seguir à risca uma cartilha.

– Além de diagnosticar os problemas, sugerimos soluções, como a adequação da formação dos professores, a necessidade de avaliá-los e a de criar incentivos para a melhora de desempenho, assim como salários mais altos, meta de proficiência para os alunos e flexibilização dos currículos – enumera Zinner, que solicitou o levantamento ao perceber o baixo nível escolar dos estudantes candidatos aos programas oferecidos pelo instituto, braço educacional do Unibanco. – Nosso foco são programas voltados para o mercado de trabalho. E, sem o ensino médio, os jovens não poderiam aproveitar as oportunidades. Mas percebemos que o ensino estava muito ruim, com todos os problemas do fundamental. O currículo desses jovens é pouco atraente, não tem nem informática.

Em busca do tempo perdido

Adultos voltam à escola

Todo dia, às 18h, a ex-agente comunitária de saúde Sueli dos Santos Silva, de 41 anos, é a primeira a chegar à telessala do Telecurso 2000, na Associação de Moradores Major Rubem Vaz, na Favela da Maré. Ela tem pressa. Quer colocar em dia os anos de estudo perdidos, desde que abandonou a escola, aos 15 anos, na 8ª série do ensino fundamental, para trabalhar.

– Em 2001, resolvi voltar a estudar. Fiz o fundamental e, agora, curso o ensino médio. Quero conhecer mais os assuntos, saber falar melhor o português, crescer profissionalmente – explica ela. – Tenho dois filhos, que nunca repetiram.

Muita gente hoje de volta aos bancos escolares afastou-se porque precisou trabalhar, não se sentia bem preparado pela escola para isso, ficava desmotivado e, após algumas reprovações, acabava desistindo de continuar. Ronaldo Martins, de 34 anos, parou no 2º ano, com 17 anos:

– Repeti a 7ª série. A escola não era interessante, era ruim mesmo. Mas me arrependo de ter largado. Quero estudar telecomunicações.

O mesmo acontece com o pedreiro Altair Pifani Lago, de 47 anos:

– Pretendo galgar posições melhores. Quem sabe chegar a mestre de obras. Hoje é mais fácil, tenho mais interesse.

Maria das Dores Teófilo, de 44 anos, ficou 23 afastada, até fazer o supletivo do fundamental, em 98. Hoje, faz o pré-vestibular comunitário em Oswaldo Cruz: quer ser enfermeira.