Em teste, novo transplante de medula

O Estado de São Paulo - Sábado, dia 10 de junho de 2006

sáb, 10/06/2006 - 11h28 | Do Portal do Governo

HC da Unicamp deve começar a usar em janeiro técnica em que doador não precisa ser 100% compatível

Silvana Guaiume

A Unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp prepara-se para iniciar, no próximo ano, o que o hematologista Cármino Antonio de Souza define como uma “nova era” de transplante manipulado. A técnica de transplante haploidêntico, que será introduzida de modo experimental no País, permite o transplante de medula óssea de doador parcialmente compatível, e não apenas totalmente compatível, como ocorre nas cirurgias convencionais.

A previsão é de que a partir de janeiro de 2007 sejam realizados no HC 20 transplantes em pacientes de leucemia mielóide aguda que não dispõem de doador totalmente compatível. Eles deverão ter entre 18 e 55 anos e serão escolhidos pelo próprio hospital ou encaminhados por outros centros de referência da região.

“São pacientes complexos e considerados caros, porque o SUS (Sistema Único de Saúde) remunera mal. São os doentes mais enjeitados que existe”, aponta Souza. De acordo com ele, de cada cinco pacientes de leucemia mielóide aguda que precisam de transplante, apenas um consegue doador compatível.

A doença apresenta alto índice de mortalidade. Apenas 30% dos pacientes têm chances de cura sem o transplante. “Com o transplante, esse número pelo menos dobra e chega a 65%”, explica o hematologista.

A leucemia mielóide aguda se caracteriza pela produção de glóbulos brancos imaturos que ocupam totalmente a medula óssea, podem se infiltrar em outros tecidos e provocar falência da produção de sangue. Os doentes não produzem glóbulos brancos normais, glóbulos vermelhos e têm reduzido o número de plaquetas, que atuam na coagulação.

“Os sintomas são poucos, mas intensos: anemia, febre e sangramentos”, comenta o hematologista. Segundo ele, a doença se manifesta em qualquer idade, embora seja rara em crianças, e não tem fundo genético. O transplante convencional é feito a partir de doadores com o antígeno de compatibilidade leucocitária (HLA) idêntico.

Souza esclarece que o HLA é dividido em dois blocos genéticos (haplótipos), um transmitido pelo pai e outro pela mãe. No transplante convencional, pacientes recebem doação de pessoas com os dois blocos idênticos ao seu, geralmente parentes. Há ainda a possibilidade de encontrar doadores de medula óssea compatíveis em bancos nacionais ou internacionais.

Nesses casos, a investigação é demorada, pode não haver tempo hábil, e o procedimento custa até R$ 160 mil. No transplante haploidêntico, é necessário apenas um bloco de HLA compatível, ou 50% de compatibilidade, o que facilita imensamente a busca. “Pai, mãe e irmão podem ser doadores”, comenta Souza.

RESULTADOS PROMISSORES

Ele aponta, entretanto, que a técnica não representa a solução contra a leucemia, ainda que seja “promissora”. O transplante haploidêntico é mais uma alternativa no tratamento contra a doença, alega. Tem sido empregado experimentalmente em importantes centros de pesquisa dos Estados Unidos, Alemanha e Itália.

A manipulação do material do doador possibilita aumentar a quantidade de células-tronco e reduzir o número de células imunologicamente competentes, responsáveis pela defesa do organismo e que agridem tecidos normais como a pele, fígado, intestinos e glândulas secretoras.

Ao agredir os tecidos, as células imunologicamente competentes podem levar o paciente à morte. Se forem reduzidas, não irão defender o organismo contra o bloco genético do doador que não é idêntico ao do receptor, favorecendo o transplante. Por outro lado, o paciente fica temporariamente sem imunidade, por um período de seis meses a dois anos.

“Com o passar do tempo, o paciente readquire o sistema imunológico, como se ele nascesse de novo”, diz Souza. Ele explica que a alta médica ocorre em média 25 dias após o procedimento, como em um transplante convencional. Mas o transplantado precisa adotar uma série de cuidados, que inclui uso de medicamentos e acompanhamento intensivo de médicos por dois anos.

“Todos os pacientes desenvolvem algum tipo de problema, como doenças infecciosas virais, fúngicas, bacterianas, que precisa ser controlado”, diz o hematologista, explicando que pode haver morte decorrente da falta de imunidade. Nas pesquisas no exterior, os resultados são considerados promissores.

O trabalho na Unicamp teve início há um ano e meio. O pesquisador José Francisco Penteado Aranha chegou a morar um período na Itália para adquirir conhecimentos sobre a técnica.

A implementação do procedimento na Unidade de Transplante de Medula Óssea do HC deverá custar cerca R$ 900 mil, com a instalação de laboratórios e equipamentos adequados. A Unicamp solicitou recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pretende investir, em contrapartida, aproximadamente 50% dos recursos necessários.