Ele era belo, áspero e intratável

O Estado de S.Paulo - Terça-feira, 19 de agosto de 2008

ter, 19/08/2008 - 12h18 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

Entre a dor e o esquecimento, William Faulkner (1897-1962) preferia o Jack Daniel?s. O uísque é onipresente na visita do escritor americano ao Brasil, entre 9 e 14 de agosto de 1954. Arredio aos compromissos, Faulkner era o mais esperado do 1º Congresso Internacional de Escritores, em São Paulo, um dos eventos para comemorar o IV Centenário da cidade. Uma das versões conta que ele andava com o cabelo empapado de água para amenizar a bebedeira. Essa estada é o tema do romance de estréia do carioca Antônio Dutra, vencedor do prêmio Meet 2008. Dias de Faulkner (Imprensa Oficial, 136 págs., R$ 25) será lançado no Salão de Idéias, da Bienal, hoje, às 19 h.

“Havia uma decepção com o papel dele nos trabalhos do congresso”, diz Dutra. Tudo o que envolvia o escritor americano parecia caminhar para o fracasso. A má vontade de Faulkner aumentava se as perguntas fossem sobre literatura – dizia que um ficcionista não deve ler muito pois pode perder a originalidade. O importante é escrever, sem pensar no sucesso proporcionado pela obra literária.

Afirmava que um escritor fala nos livros, e não em entrevistas, sobre as coisas do mundo. “E quando Faulkner toca no tema das relações raciais nas Américas, é interessante observar que as perguntas seguintes dos jornalistas passaram a ser sobre os livros favoritos dele.”

O escritor americano, prêmio Nobel de 1949, ambientou sua ficção no Sul dos EUA, tendo os conflitos raciais como tema incontornável. O debate sobre racismo parecia irrelevante naquele momento para o Brasil. Em sua ficção, Antônio Dutra revela o desconhecimento mútuo, entre brasileiros e americanos, embora o contexto histórico fosse o da Guerra Fria. “Faulkner seria importante elemento de sedução, havia uma simpatia da intelectualidade brasileira pelo comunismo.”

Enquanto os americanos lutavam contra o perigo socialista, os paulistas tentavam vender uma imagem de cosmopolitismo. “Quando Faulkner pede para provar algo típico do Brasil, logo se argumenta que a cidade se tornara tão cosmopolita que era difícil encontrar algo típico.” Estava em choque, ali, a idéia de um Brasil rural com a de um Brasil industrial.

O comportamento do autor de O Som e A Fúria muda a partir da quarta-feira (dia 13), após reuniões com o serviço diplomático americano. Ele se tornou acessível e bem-humorado, disposto a visitar os lugares. Mas nem essa mudança de atitude apagou a impressão deixada por Faulkner. O jornalista Lúcio Cardoso o via como um homem miúdo, mal vestido, maltratado. Na últimas entrevistas, o americano dizia que o escritor não podia abrir mão da busca da verdade. Para buscá-la, acreditava que o coração devia estar pulsando na ponta do lápis. Apesar da imagem de homem áspero e intratável, havia certa beleza no sofrimento de William Faulkner.

Serviço

20.ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Pavilhão de Exposições do Anhembi. Av. Olavo Fontoura, 1.209. 10 h às 22 h. R$ 10. Até 24/8. www.bienaldolivrosp.com.br