Pelo menos 15 hospitais do Estado oferecem um bom atendimento aos usuários. O segredo está no contrato de gestão firmado entre o governo e entidades privadas sem fins lucrativos, as Organizações Sociais de Saúde.
Marici Capitelli
Com atendimento diferenciado e instalações modernas, 15 hospitais do Estado estão conseguindo superar a crise na saúde pública. Gerenciados por Organizações Sociais de Saúde (OSS), esses estabelecimentos não enfrentam o problema da falta de profissionais e remédios ou equipamentos quebrados. Ao contrário: os usuários costumam ser surpreendidos com o funcionamento do sistema que, segundo eles, é de boa qualidade e se assemelha ao de unidades privadas.
A base do trabalho desses hospitais é um contrato de gestão entre o Estado e entidades privadas sem fins lucrativos. Por esse sistema, o Estado construiu os prédios, mas repassou o gerenciamento para as unidades mantenedoras.
Pelo contrato de gestão, o poder público repassa dinheiro para as OSS, estabelecendo o que deve ser oferecido ao público e o número de pacientes a serem atendidos. É como se o Estado comprasse um “pacote de serviços” com metas que devem ser cumpridas.
As contas prestadas pelas organizações são auditadas pelo Tribunal de Contas do Estado, profissionais especializados e representantes da Assembléia Legislativa e movimentos de saúde, segundo a Secretaria Estadual de Saúde.
Pelos cálculos da secretaria, esses hospitais saem em média entre 10% a 15% mais caros para o Estado que os 60 estabelecimentos de administração direta.
“Mas os benefícios para a população são muito maiores, porque oferecem atendimento com qualidade e produzem mais”, garante João Carlos Vicente Carvalho, coordenador de contratos de Serviços de Saúde na secretaria.
O governo do Estado está comemorando pesquisa feita com os usuários desses hospitais. Entre janeiro e setembro, foram ouvidas oito mil pessoas e 82,5% dos usuários consideraram os hospitais “excelentes” e 12,5% os classificaram
como “bons”. As OSS oferecem 2.470 leitos. Os demais hospitais somam 21.270.
De acordo com Carvalho e os administradores das OSS, o atendimento é eficiente porque não esbarra na burocracia do Estado. Não é preciso licitação para fazer compras, consertos ou construções, como no serviço público. Os funcionários também são contratados.
“Se o médico ou outro funcionário não tiver comprometimento com o trabalho podem ser dispensados como os demais trabalhadores. Na administração pública, esse processo é muito desgastante”, pondera Nelson Frenk, superintendente do Hospital Vila Alpina.
Os salários dos profissionais são maiores que na rede estadual porque seguem as tendências de mercado e são estabelecidos de acordo com cada unidade. Mas o salário de um médico plantonista, por exemplo, não difere muito dos pagos pela Prefeitura.
Outro diferencial desses hospitais é que eles foram planejados de acordo com as necessidades detectadas nos sistemas de saúde. “Existe uma flexibilização e vamos nos adaptando, sempre com a participação ativa da comunidade”, observa Carlos Alberto Ferreira, diretor administrativo do complexo hospitalar Santa Marcelina, mantenedora de dois dos 15 hospitais.
No pronto-socorro, equipamentos de UTI
Por todos os lados do Hospital Santa Marcelina do Itaim Paulista, na Zona Leste, é grande o número de pacientes e acompanhantes. Fora isso, o estabelecimento em nada lembra um hospital público. No pronto-socorro, além do ar condicionado que torna o ambiente agradável, os leitos têm estrutura montada com equipamentos de UTI. É frenética a movimentação de funcionários e médicos. Em média, trabalham de 18 a 20 médicos todos os dias nesse atendimento.
As mulheres em trabalho de parto são atendidas em um andar especial, onde contam com uma recepção própria. Pintado de cor-de-rosa e com enfeites infantis, a ala dispõe de salas de parto onde as gestantes podem ter seus bebês ao lado de um acompanhante.
“Estar com o meu marido no nascimento me deu muita segurança. Fui tratada com muito carinho por todo mundo. Eu optei em vir para cá porque duas amigas deram à luz aqui e falaram muito bem”, afirmou Silvana Borges Ribeiro, de 23 anos, que está no hospital participando do projeto Canguru, já que a filha Sheila ainda não teve alta porque está abaixo do peso. A unidade está concorrendo ao título de Hospital Amigo da Criança da Unicef.
O Santa Marcelina do Itaim e o Hospital de Pedreira foram os primeiros inaugurados em 1998 no sistema de OSS. A verba anual é de R$ 39 milhões. Com o dinheiro, foi construída uma Casa de Parto com 500 metros, que funciona ao lado do hospital e não estava previsto no contrato de gestão com a Secretaria de Saúde.
Hospital público, mas com atendimento de privado
O Hospital Estadual de Vila Alpina está tentando reduzir o atendimento no pronto-socorro. Previsto para receber sete mil pessoas ao mês, o volume de pacientes chegou a 15 mil no mês de junho. O superintendente do estabelecimento, Nelson Frenk, disse que essa demanda é conseqüência da falta de estrutura das unidades básicas de saúde.
“Como não conseguem atendimento nas unidades, a população procura o hospital para atendimentos corriqueiros e não se importa com a demora. Sabe que vai passar pelo médico”, argumenta.
Diante da demanda, desde agosto o hospital está utilizando um novo sistema no PS. Uma equipe multidisciplinar faz uma avaliação prévia de todos os pacientes que querem ser atendidos. A partir dessa consulta inicial, os usuários são atendidos no PS, encaminhados para exames ou orientados a procurar a rede básica de saúde.
O Vila Alpina é gerenciado pelo Serviço Social da Indústria da Construção Mobiliária do Estado de São Paulo (Seconci). A grande maioria dos usuários é de idosos.
É o caso de Dario Júlio, de 70 anos, que foi atropelado. Todos os dias, o filho Denilso Jollo, de 32 anos, o leva ao hospital. “Estou surpreso com o atendimento que meu pai está recebendo. Quando ele foi internado, já imaginei todas as dificuldades que iríamos enfrentar em um hospital público. É que não tinha boa experiência com a rede pública”, conta. Em sua avaliação, a única diferença do hospital para os privados é que o tempo de espera é menor.
Apesar de ser apontado como uma das alternativas viáveis para o sistema de saúde, há os que criticam o modelo. A principal alegação é que as entidades privadas estão usando dinheiro que é público.
“Esses hospitais são ilhas da fantasia, que recebem muito mais dinheiro que os estabelecimentos de administração direta”, critica Ângelo D’Agostini Júnior, do Sindicato dos Trabalhadores na Saúde e militante na área há 20 anos. Ele defende que todos os hospitais recebam a mesma verba.
Com 30 anos de atuação em movimentos de saúde, conselheira-titular do Conselho Municipal de Saúde e suplente no Conselho Estadual, Celina Maria de Oliveira, de 55 anos, também não poupa críticas: “Falta transparência na aplicação desses recursos públicos. Além disso, esses hospitais só atendem as especialidades básicas e não investem na complexidade”.
D’Agostini Júnior e Celina afirmam que a população fica bem impressionada com o sistema porque é carente de qualquer tipo de atendimento. “O fato de conseguir uma consulta ou agendar um exame já é considerado muito bom. Os pacientes desconhecem seus direitos no atendimento público”, diz a conselheira.