DNA indica alvos contra esquistossomose

Folha de S. Paulo - 16/9/2003

ter, 16/09/2003 - 9h39 | Do Portal do Governo

Transcrição de genes ativos do causador da ‘barriga d’água’ pode ajudar a romper resistência do parasita

Reinaldo José Lopes, free-lance


Folha de S. Paulo – Terça-feira, 16 de setembro de 2003

Cientistas brasileiros publicaram ontem um verdadeiro arsenal genômico contra o principal parasita causador da esquistossomose, mal que afeta 200 milhões de pessoas em 74 países. O trabalho mapeia os genes ativos em seis fases do ciclo de vida do verme e sugere dezenas de novos alvos para vacinas e medicamentos que possam vencer sua resistência.

O estudo, que está na revista científica ‘Nature Genetics’ (www.nature.com/ng), cobre cerca de 92% dos 14 mil genes que devem compor o DNA do Schistosoma mansoni, verme responsável pela doença (conhecida no Brasil como ‘barriga d’água’) na América Latina e na África.

‘Queríamos mostrar que uma estratégia genômica pode ser tão importante para combater uma doença típica de Terceiro Mundo quanto a educação e a prevenção’, diz Sérgio Verjovski-Almeida, 53, pesquisador do Instituto de Química da USP e coordenador do estudo.

Para examinar somente os genes ativos do verme, a equipe criou as chamadas ESTs (etiquetas de sequências expressas), geradas a partir do mRNA, ou RNA mensageiro. É essa molécula que põe em ação as informações contidas no DNA e inicia a produção de proteínas na célula. Por isso, as ESTs (cópias em formato DNA do mRNA) são capazes de mostrar quais genes estão mesmo ativos.

Estranho inimigo

As mais de 163 mil ESTs produzidas por Verjovski-Almeida e seus colegas traçam um retrato bizarro desse velho inimigo da humanidade, cujos traços podem ser encontrados até em múmias egípcias. Para começar, apesar de ser verme, ele parece estar geneticamente mais próximo dos insetos: ‘Na verdade, ele lembra mais a drosófila [pequena mosca muito usada em experimentos genéticos] do que o C. elegans, que é outro tipo de verme’, afirma o pesquisador da USP.

Esse é apenas um dos paradoxos do esquistossomo. Embora seja um animal muito primitivo, ele já tem esboços de quase todas as características que existem em seus parentes mais evoluídos, como os sistemas nervoso e hormonal. Ao mesmo tempo, o ciclo de vida da criatura inclui coisas impensáveis para a maioria dos outros animais, como o fato de a fêmea se alojar no interior do corpo do macho quando eles são adultos.

A esperança dos pesquisadores é poder manipular características específicas do S. mansoni para criar novos medicamentos e vacinas. O praziquantel, medicamento mais utilizado hoje contra o parasita, é incapaz de impedir que as pessoas sejam reinfectadas pelo verme e já gerou linhagens resistentes do esquistossomo.

Um dos caminhos interessantes, sugere Verjovski-Almeida, seria tentar interferir numa espécie de cortina de fumaça que o verme lança no sistema de defesa do organismo. Ele secreta substâncias muito parecidas com o veneno de vespas e inicia uma resposta alérgica no hospedeiro, impedindo que as células do sistema imune o identifiquem como invasor.

Outra molécula produzida pelo animal, parecida com uma toxina de veneno de cobra, impede que o sangue do doente coagule ao redor do verme (que vive imerso na corrente sanguínea).

De acordo com a bioquímica Luciana Cézar de Cerqueira Leite, 44, do Centro de Biotecnologia do Instituto Butantan, os dados genômicos já estão sendo aplicados em possíveis vacinas. ‘Oito moléculas foram testadas em camundongos, e duas delas mostraram resultados animadores’, afirma. Uma das substâncias aparece na membrana das células do parasita, e outra interage com o sistema imune (de defesa) do hospedeiro.

A pesquisa recebeu financiamento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). A Fapesp anunciou que vai pedir as patentes dos genes mais promissores identificados pelo projeto.