Diversão deu um olé na seriedade

O Estado de S.Paulo - Segunda-feira, 28 de abril de 2008

seg, 28/04/2008 - 9h22 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

Os shows mais divertidos da Virada foram Maria Alcina no Baile do Arouche, Lafayette e os Tremendões no mesmo palco, Verônica Ferriani no Palco das Meninas, e a Orquestra Imperial, no palco São João. Maria Alcina estava com a macaca, e fez uma fusão do ótimo repertório de seus dois primeiros discos. Cantou muita música brejeira do repertório de Carmen Miranda, que regravou naqueles discos de 1973 e 74, como Alô Alô, a hilária Me Dá, Me Dá, um dos pontos altos de seu show, ao lado de Fio Maravilha, de Jorge Ben, que a revelou num festival de 1972.

Depois dela, o organista mais famoso da jovem guarda, Lafayette, ao lado de uma banda de jovens admiradores seus, tocou clássicos do movimento, especialmente de seu ídolo maior, Roberto Carlos. Quero Que Vá Tudo pro Inferno foi um dos hits que manteve a galera, surpreendentemente jovem, já às 5 horas da manhã.

No fim da tarde do domingão, foi a vez da paulista Verônica Ferriani, uma das melhores cantoras da nova geração, animar o palco das meninas com clássicos de samba antigo, alguns deles gravados por Carmen Miranda e Clara Nunes, que ela homenageou, como Fez Bobagem (Assis Valente), Leva Meu Samba (Ataulfo Alves) e Mineira (João Nogueira/Paulo César Pinheiro).

Mais tarde, encerrando a programação do mesmo palco, Fernanda Takai literalmente parou o trânsito da Avenida Ipiranga, para uma grande platéia, parte significativa da qual conhecia bem o repertório de seu CD Onde Brilhem os Olhos Seus, homenagem a Nara Leão. O ponto alto de sua apresentação foi Debaixo dos Caracóis de Seus Cabelos, de Roberto Carlos.

A Orquestra Imperial também reuniu um dos maiores públicos do domingo com seu animadíssimo repertório de baile, que inclui canções próprias e clássicos como Patrícia, Me Deixa em Paz e Eu Bebo Sim.

No palco Rock República, Arnaldo Antunes subverteu a ordem das coisas, cantando acompanhado apenas de três músicos, que se revezaram nos violões, teclado e sanfona. Teve gente pedindo “porrada”, mas seu show agradou a maioria, como uma espécie de “rock and roll lullaby”, que teve muita balada, reggae dos tempos dos Titãs, Lupicínio Rodrigues (Judiaria), xote (O Silêncio) e até um tango com sanfona. O rock ali foi mais atitude do que gênero definido.

No Teatro Municipal, no sábado, Luiz Melodia fez um show memorável recriando na íntegra seu álbum de estréia, “Pérola Negra”, de 1973. Visivelmente feliz pelo bom resultado, Melodia fez algumas versões até melhores do que as originais, caso de “Abundantemente Morte” e dois de seus maiores sucessos, “Magrelinha” e “Pérola Negra”. Empolgado com a reação do público, no fim de “Vale Quanto Pesa”, Melodia disse: “Essa Virada Cultural é a coisa mais bela. Tem que acontecer em todos os Estados do Brasil. Gênio!” Ao que alguém na platéia retrucou: “Não exagera”.

Quem ficou horas na fila esperando pelo encontro de Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos, para reinterpretar o disco “Dança das Cabeças” teve uma decepção. Adoentado, Gismonti cancelou sua participação. Parte da platéia ensaiou uma vaia, mas logo que Naná entrou no palco conquistou a todos. Ninguém arredou pé. O já clássico número em que ele rege a platéia fazendo os sons da chuva caindo na floresta foi emocionante. Só um gênio para segurar aquele público com show de percussão solo.

À meia-noite outra grata surpresa. Sá, Rodrix & Guarabyra, com uma banda que incluía quatro violinos, cello e naipe de metais, fizeram belo show com as canções do primeiro álbum, Passado, Presente e Futuro (1972), contando com um significativo fã-clube, que cantava tudo junto. Os pontos altos foram “Me Faça um Favor” e “Primeira Canção da Estrada”. No bis, eles fizeram um medley com hits posteriores – “Casa no Campo”, “Caçador de Mim” e “Espanhola” – absolutamente dispensável.

REVIRANDO BANHEIRÓDROMO: Uma das ruas paralelas ao Centro Cultural Banco do Brasil, a Rua da Quitanda virou um imenso banheiro público, difícil de atravessar até mesmo com máscaras contra gases. “Gente me parava dizendo que foram poucos banheiros. Instalamos 350, mas foi pouco. As pessoas têm toda razão. Sempre teremos ajustes a fazer, de ano a ano. Ainda estamos aprendendo”, disse o secretário Carlos Augusto Calil.

DOS CACHÊS: Calil também ressaltou a movimentação da economia cultural com a contratação de aproximadamente 5 mil artistas, em sua maioria brasileiros, que participaram da Virada. ‘O Jorge Ben Jor, por exemplo, fez questão de participar do evento e topou até fechar o seu cachê por um valor mais baixo.’

MAPINHAS: Seiscentos mil mapinhas com toda a programação, que conferiam um ar de turistas a típicos paulistanos, além de 200 mil “vinis” de papel, pensados sob encomenda do coordenador da Virada, José Mauro, circularam pelo centro com os nomes dos músicos dos palcos Canja Rock e Blues e Instrumental, foram distribuídos nas duas noites. Quem perdeu algum show, certamente não poderá dizer que foi por falta de orientação ou direção. ‘Queríamos fazer mais uma edição da Virada para não deixar dúvidas de que é possível fazer uma festa com todo mundo misturado.’

ANGÚSTIA: Era a sensação do espectador diante da performance da bailarina Vera Sala, apresentada a partir de 1 hora da manhã de domingo no Vale do Anhangabaú. Em ImPermanências, presa num emaranhado de metal retorcido que lembra uma teia de aranha, ela fazia lentos movimentos lentos movimentos que provocavam exclamações do tipo: “ai, estou sentindo falta de ar”. Pelo visto, a artista atingiu seu objetivo, afinal, não era atração para ser “engraçadinha”.

ZÉ PRETINHO: Jorge Ben Jor botou a banda do Zé Pretinho na rua para fechar ontem, no comecinho da noite, a programação do maior palco da Virada, o Palco São João. Foi o encerramento de uma jornada que teve de tudo – o palco ali da São João era tão disputado que o público às vezes desistia de tentar acompanhar a atração principal e ia para a gradinha do Bar Brahma ouvir a brass band que toca música do Sul dos Estados Unidos (até uma washboard turbinada os músicos tocam).

CONCENTRAÇÃO: Parecia que ia dar tudo errado, mas todos os fogos de artifício o som pesado do rock do cortejo dos franceses ‘azuis’ do grupo Générik não foram suficientes para tirar a atenção do público que assistia ao espetáculo O Cidadão Perfeito, na Ladeira da Memória. Criação do Humbalada, do CEU Cidade Dutra, o espetáculo apresentado às 22h30 do sábado, no palco do chamado Teatro Vocacional, tinha como tema era a influência da mídia sobre as eleições presidenciais. Pelos sorrisos, tratou o tema com ironia, e conquistou seu público.

DE PONTA: O Sesc 24 de Maio e a rua das Grandes Galerias serviu de refúgio para as artes eletrônicas de ponta, na madrugada de sábado. Curioso é ver que só poucos bares abrem suas portas para receber a massa de visitantes da Virada Cultural, e as Galerias do Rock, que pela sua natureza poderiam aderir, ficam fechadas durante o evento.

ÚNICO LIMPO: O Centro Cultural Banco do Brasil foi um dos poucos banheiros limpos disputados em longas filas pelos freqüentadores da Virada Cultural. Em alguns bares, cobravam R$ 1 pelo uso, mas não faziam a manutenção. Banheiros sujos eram regras em toda a região.