Dissipando a nuvem de fumaça

Folha de S. Paulo

sex, 07/08/2009 - 8h12 | Do Portal do Governo

Quando uma lata de sardinha ou um sorvete infectados causam doenças ou matam seus consumidores, eles são imediatamente retirados do mercado -e não vemos a sociedade debater o fato ou reagir como se houvessem tirado seus direitos. É simples proteção da saúde pública. Se autoridades não agirem, aí se torna legítima uma reação do público, exigindo a proteção do bem comum.

Com a fumaça dos cigarros, a coisa deveria ser igual. A comprovação, por uma centena de estudos em populações e em lugares diferentes, de que a exposição à fumaça causa doenças em crianças e adultos não fumantes expostos é irrefutável.

Também é mais do que conhecido que espaços reservados a fumantes e sistemas de ventilação especiais não funcionam. Mas, algumas pessoas preferem olhar para seu umbigo, pensar nos seus “direitos”, esquecendo o direito alheio.

Quem disse que impor a um garçom conviver entre fumaça de cigarro e adoecer é um discurso social adequado?

Fácil fazer firula com a vida alheia com base em uma filosofia mal colocada e egoísta de direitos humanos. Pior, os “defensores” da lógica do prazer acabam caindo na armadilha do discurso falacioso da indústria, defendendo o direito do capital, o do poder econômico, e não o do ser humano.

Existe uma nuvem de fumaça entre o discurso e a realidade. Ela foi criada no decorrer do século passado pelas estratégias de marketing da indústria fumageira, que não tem interesse em que se normatize o consumo de produtos de tabaco.

A indústria fumageira financia e usa grupos -como associações de bares, restaurantes e hotelaria- para que defendam o indefensável. Será que é a essa indústria, que comercializa um produto que mata um em cada dois consumidores regulares, que devemos proteger?

Nada de fumódromos, nada de bares intoxicados, de quartos com cheiro de fumaça e pisos queimados. Proteção, sim, mas para quem precisa dela, para quem trabalha, para quem não pode escolher.

No final, todos ganham. Ganham os garçons, as recepcionistas, os cozinheiros, as atendentes, os motoristas, enfim a parte mais indefesa dessa cadeia produtiva que vai adoecer menos e ter mais conforto ao trabalhar. Ganham as crianças que passam a sofrer menos de asma, bronquite e infeções pulmonares e respiratórias. E que vão respirar ar mais puro.

Que os fumantes que assim o queiram continuem fumando -é direito de cada um. Que fumem como quiserem e quando quiserem. Mas não onde quiserem -esse é o direito coletivo que deve prevalecer sobre o individual. É disso que se trata. Simples assim.

Vera Luiza da Costa e Silva é médica, doutora em saúde pública, ex-coordenadora do Programa de Prevenção do Câncer (do Inca) e ex-diretora da Iniciativa por um Mundo sem Tabaco (da OMS)