Diagnóstico médico à segunda vista

Folha de S. Paulo - FolhaEquilíbrio - Quinta-feira, 29 de julho de 2004

sex, 30/07/2004 - 9h48 | Do Portal do Governo

Telemedicina promete alternativa para deslocamentos desnecessários de pacientes e superlotação de hospitais

ADRIANA KÜCHLER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Em razão de uma osteomielite crônica (um tipo grave de inflamação óssea), o estudante Souza de Souza, 22, teve de revirar sua vida. Depois de peregrinar durante mais de dois anos por diferentes hospitais e de fazer várias cirurgias sem sucesso, Souza, para se tratar, teve de se mudar para São Paulo, em março do ano passado. Hoje, seu problema está sendo resolvido, mas ele está há mais de um ano longe de casa -Souza mora em Guarapari (ES). ‘Se não tivesse parentes aqui, tudo seria muito mais difícil’, diz.

A jornalista Regina Atalla, 45, também teve de sair de sua cidade para procurar assistência médica -ela nasceu com uma deformação no pé que dificulta sua movimentação. Em Salvador, passou por seis cirurgias que não corrigiram o defeito. Quando soube que o HC (Hospital das Clínicas), em São Paulo, realiza um exame que ajuda a fazer sapatos sob medida para cada problema, Regina, que calça 32, foi até o hospital Sarah Kubitschek, na capital baiana. Os médicos de lá fizeram uma videoconferência com os do HC para ter certeza de que ela poderia receber ajuda em São Paulo. ‘Cheguei com consulta marcada e com uma pré-avaliação já feita. O processo foi rápido.’

A diferença do atendimento médico realizado nas duas histórias ocorreu pelo uso da telemedicina.

‘A telemedicina nada mais é que o uso da tecnologia aliada à medicina para evitar deslocamentos desnecessários de pacientes, desafogar os grandes hospitais e até capacitar melhor os médicos’, diz Chao Wen, 43, coordenador da disciplina sobre essa técnica na Faculdade de Medicina da USP.

Os primeiros experimentos em telemedicina começaram no Brasil na década de 90 e, hoje, vários hospitais investem nela. No ano passado, o HC lançou a Estação Digital Médica, uma rede que conecta 15 pontos do país, entre hospitais, universidades e postos de saúde. Com a ajuda da videoconferência, médicos discutem casos complicados, e especialistas indicam os procedimentos. Por meio do ‘ciberambulatório’, são enviadas informações sobre casos de pacientes -e recebidas ‘segundas opiniões’ dos profissionais que são consultados a distância.

Para o HC, a telemedicina pode ajudar a desafogar a superlotação. ‘Cerca de 60% dos pacientes que procuram o hospital não precisariam vir até aqui’, diz Wen. ‘O uso da tecnologia pode permitir uma triagem mais eficiente. Médicos de outras cidades também podem aprender na prática, se atualizar e, assim, encaminhar para cá apenas os casos realmente difíceis ou que necessitem de cuidados especializados.’

Além da segunda opinião em casos complicados, a videoconferência pode ser usada para transmitir procedimentos médicos ao vivo. O Hospital 9 de Julho, em São Paulo, transmite para outros países, desde agosto de 2003, cirurgias para emagrecimento, como a colocação de bandas gástricas e de balões gástricos e a de grampeamento do estômago. ‘Como já passamos por todas as fases de testes e dúvidas, ajudamos os outros médicos a pular etapas do processo’, explica Manoel Galvão, 38, coordenador de telemedicina do hospital.

As iniciativas que aliam a tecnologia à saúde são diversificadas. No Rio de Janeiro, o Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, recebeu equipamento doado pela ONG norte-americana Medical Mission for Children, que liga 14 hospitais infantis de referência -a maior parte nos EUA- a centros médicos de países em desenvolvimento. No Instituto do Coração, também em São Paulo, médicos acompanham os pacientes por meio de dados enviados para seus computadores de mão. Em Brasília, o Hospital das Forças Armadas começa a desenvolver um sistema de telemedicina para alcançar os hospitais e postos de saúde localizados na Amazônia.

Mas o preço do desenvolvimento ainda não está ao alcance de todos. Um aparelho completo de videoconferência e transmissão de exames, como o que o Pedro Ernesto ganhou, custa cerca de US$ 30 mil (cerca de R$ 90 mil). Segundo o professor Chao Wen, da Faculdade de Medicina da USP, a solução é procurar alternativas mais simples. ‘Dá para fazer telemedicina com uma máquina fotográfica digital, um computador e uma conexão de internet rápida.’

Wen está negociando uma parceria com a Microsoft para que grandes empresas doem computadores usados para equipar postos de saúde. O objetivo é usar recursos tecnológicos para que médicos generalistas possam atender pacientes com a ajuda de especialistas, sem ter de encaminhá-los para os centros de referência. ‘A idéia é que esse serviço chegue aonde o especialista não chega, como presídios e asilos’, diz um dos coordenadores do ‘ciberambulatório’ do HC, Hélio Miot. ‘Como em outros países, vai surgir a figura do telemédico, que se dedicará a fazer diagnósticos a distância.’

Na área odontológica, a tecnologia de comunicação também começa a ser mais utilizada. Ontem, especialistas da área reuniram-se em Belo Horizonte (MG) durante o 1º Encontro Brasileiro de Teleodontologia para analisar a possibilidade de criar núcleos de atendimento em hospitais, postos de saúde e universidades.