‘De Passagem’ encanta na Estação Brás

O Estado de S. Paulo - Segunda-feira, dia 3 de maio de 2004

seg, 03/05/2004 - 9h17 | Do Portal do Governo

Filme de Ricardo Elias emociona em exibição especial para usuários e ferroviários

LUIZ CARLOS MERTEN

E afinal, é nos trens da CPTM, a Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos que viajam os personagens de De Passagem. Por isso mesmo, a sessão especial de sexta-feira à noite do filme de Ricardo Elias foi realizada no terminal de trens da Estação do Brás. E foi uma sessão para usuários. Havia mais de 300 espectadores no cinema improvisado no mezanino da estação. Muita gente se emocionou. ‘Não é uma história, parece um documentário’, resumiu Joelma Alves. ‘Ele (o diretor Elias) mostra aquilo que a gente vê todo dia. Eu uso o sistema, convivo com aquelas pessoas da tela todo dia, sou uma delas. Achei o filme muito bonito.’ Pela mesma linha foi a avaliação de Ademir Silva dos Santos. ‘A gente vive todo dia aquilo que o filme mostra. E ele mostra de uma maneira tão bonita que, não sei, a gente até começa a ver o nosso dia-a-dia de maneira diferente.’

Desde o Festival de Gramado, em agosto do ano passado – ganhou diversos Kikitos, incluindo o principal, de melhor filme -, a produtora Assunção Hernandes falava que queria dar um jeito de ampliar o circuito exibidor do belo trabalho de Ricardo Elias para mostrá-lo ao público da periferia. De Passagem já foi exibido no Centro de Educação Unificado (Cedu), passou sexta na estação do Brás. Em toda parte foi bem recebido pelo público. ‘É um problema para a gente, um dilema que eu acho que vem desde o tempo do Cinema Novo. Somos diretores de classe média, alguns de nós até são ricos, e temos a pretensão de colocar na tela essa periferia da qual não fazemos parte, mas que a mim interessa porque não se pode entender o Brasil atual sem discutir a exclusão social, a violência urbana.’ Elias diz que a ‘ele’ interessa, mas logo acrescenta ‘nós’. Ele considera que De Passagem é tão seu quanto do roteirista Cláudio Yoshida, que o acompanha desde o começo do projeto. Todos falam com carinho de De Passagem. É um filme, mas mais que um filme. Puseram seu coração, mais que o profissionalismo, nele. Todos – a produtora, o diretor, o roteirista, os atores.

Cláudio Yoshida é de São José dos Campos. Conseguiu levar o De Passagem para uma exibição no Cinemax de sua cidade. O local podia ser de elite, mas a platéia era de estudantes e aeroviários que trabalham na Embraer.

Trabalhadores e estudantes – ”Foi emocionante, as pessoas ficam sem falar emocionadas, depois da sessão.’ Esse carinho foi o que Silvio Guindane sentiu na sexta-feira à noite. O ator que faz Jefferson deu muitos autógrafos e foi cercado de usuários dos trens da CPTM que o reconheciam como um deles. ‘É muito bacana’, ele diz. O diretor Elias vai adiante:

‘Depois desta sessão, estou convencido de que o filme é popular. Se vai fazer sucesso nos cinemas é outra história. Espero que sim, mas depende de muita coisa. O filme tem um ritmo mais lento, mas não dificulta nem impede a adesão das pessoas. Vivi hoje uma experiência maravilhosa. Tem aquela cena em que o câmera pára no rosto do Silvio durante vários minutos. Ele não fala nada. Só olha e os olhos vão se umedecendo. Uma senhora chegou para mim há pouco para me dizer tudo aquilo que ela achou que ele estava pensando. Ela se apossou do filme, fez o filme dela em cima do De Passagem. Para qualquer diretor, é um sonho.’

Havia espectadores de todas as idades. Jovens e idosos, estudantes e trabalhadores, muitos casais de enamorados que saíam abraçados, com aquela cara de quem gostou. Após a primeira exibição – outra estava programada, para mais tarde -, houve uma rodada de refrigerantes e salgados, e um show com dançarinos e músicos de hip hop. Havia jornalistas, também. Israel do Valle estava lá acompanhando a garotada do hip hop, alunos do mestre Nelson Triunfo, pioneiro dessa forma de expressão. ‘Olha aquele ali, é endiabrado’, apontava para um garoto que dava rodopios no ar e no solo, coisa de louco. O cinema, o hip hop, tudo era arte na estação do Brás, na sexta-feira à noite, e a arte estava a serviço da cidadania. ‘Gosto do filme, gosto muito da estrutura narrativa’, disse Do Valle.

‘Não põe o meu nome’, pediu uma funcionária da CPTM, que escondia o crachá.

‘Sou da casa e vão achar que estou querendo aparecer.’ Ela gosta do que faz, mas nunca se sentiu tão útil no seu trabalho como naquela integração entre arte e vida, entre artistas e usuários, por meio da mediação exercida pela CPTM. ‘As pessoas têm fome de cultura, de informação. Têm sensibilidade. É o que faz a gente acreditar que este país tem de dar certo.’ Ronaldo Gonçalves e Quita Santana emocionaram-se com a histórias da amizade de Jefferson e Kennedy. Os garotos de infância trilham caminhos opostos, diferem em tudo.

Jefferson, que vai para a academia militar, torna-se intransigente, até para fugir àquele meio opressor. Kennedy fica e Jefferson aprende muita coisa com ele. ‘É tudo tão sincero, tão verdadeiro’, disse Quita. ‘Acho que este filme nos dá uma lição de entendimento. Legal, gostei’, diz Santana.