Curativo vegetal

Corrreio Braziliense

qua, 19/05/2010 - 11h17 | Do Portal do Governo

Pesquisa da USP desenvolve fibra a partir da mistura do bagaço da cana-de-açúcar e da quitosana, proteína extraída da carapaça de crustáceos. O produto pode originar novos tipos de bandagens e roupas especiais para pacientes queimados

O reaproveitamento de materiais que iriam para o lixo tem contribuído não só para a economia de recursos naturais e de energia como para a criação de produtos em diversas áreas, inclusive na de saúde. Resíduos abundantes na indústria do álcool e da pesca, o bagaço da cana-de-açúcar e a quitosana (proveniente da quitina extraída da carapaça de crustáceos) incentivaram uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) que resultou em uma fibra com enorme potencial medicinal. A partir do acréscimo de enzimas e medicamentos específicos, a equipe da Faculdade de Ciências Farmacêuticas conseguiu obter um material que, no futuro, poderá ser usado como bandagens e curativos, e originar roupas apropriadas para pacientes feridos ou com queimaduras graves.

O objetivo da pesquisa é obter um tecido inteligente que não só proteja, mas também trate a área pretendida, conforme a necessidade. Para isso, os cientistas tiveram a ideia de unir a fibra obtida da celulose do bagaço e da palha da cana-de-açúcar às propriedades medicinais da quitosana. “A quitina é um polímero (macromolécula) extraído da carapaça de crustáceos (caranguejo, camarão, lagosta) e pode ser convertida em vários derivados, sendo um deles a quitosana, que possui propriedades bactericidas, fungicidas e cicatrizantes com grande capacidade de absorção de umidade. É um polímero abundante e um resíduo da indústria da pesca”, explica a professora Silgia Aparecida da Costa, do curso de têxtil e moda da escola de artes, ciências e humanidades da USP. Além dela, participam do estudo a pesquisadora Sirlene Maria da Costa, do Centro de Têxteis Técnicos e Manufaturados do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), e o professor e coordenador do projeto, Adalberto Pessoa Júnior, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas.

Segundo os pesquisadores, pacientes portadores de necessidades especiais, que costumam desenvolver feridas na superfície da pele também conhecidas como úlceras de pressão (1) podem se beneficiar da técnica, no futuro. “Um curativo com a presença de quitosana, quando colocado sobre esse tipo de ferimento, poderá absorver as secreções e atuar como bactericida, fungicida e, ao mesmo tempo, cicatrizante. Dessa forma, utilizando uma roupa inteligente, o paciente poderá evitar ou diminuir o uso de pomadas e outros medicamentos durante o tratamento”, destaca Silgia. Os cientistas esclarecem, ainda, que além da quitosana, é possível incorporar enzimas, fármacos e biomoléculas (compostos químicos sintetizados) que poderão atuar de forma específica, dependendo do tipo de tratamento a ser feito.

Testes

As fibras de celulose e de quitosana produzidas pelos pesquisadores da USP encontram-se em fase de testes mecânicos, químicos e bioquímicos. O objetivo é confirmar todas as propriedades existentes. De acordo com os cientistas, a próxima etapa consiste no desenvolvimento de estruturas como tecidos e malhas ou não tecidos (com aspecto parecido ao TNT) que poderão ser utilizadas na produção de roupas especiais e bandagens. “Isso será determinado de acordo com a resistência das fibras obtidas. Quando obtivermos uma dessas estruturas, partiremos para uma nova fase de testes de propriedades, que envolverão a avaliação da capacidade de absorção do material, da resistência, das propriedades bactericidas e fungicidas, do potencial de cicatrização de ferimentos, além dos testes de tingimento e conforto”, enfatiza Sirlene.

Na visão da coordenadora do mestrado em biotecnologia da Universidade Positivo, no Paraná, Vanete Soccol, a ideia é interessante e pode vir a ser de grande utilidade para aqueles que dependem de tratamentos específicos. “É preciso, porém, que além do cultivo celular, as fases subsequentes se realizem. Porém, como perspectiva do desenvolvimento de um curativo de celulose de cana, a pesquisa se mostra bastante interessante”, avalia.
As úlceras de pressão são feridas comuns em pessoas que ficam muito tempo sem se mover, caso de cadeirantes e pacientes hospitalizados por longos períodos. Algumas regiões da pele acabam ficando prensadas entre a superfície na qual a pessoa se apoia e o osso, originando os ferimentos, que, em alguns casos, podem se aprofundar e, assim, servir de porta de entrada para bactérias e infecções. Quando as úlceras são recobertas por uma casca escura, são chamadas de escaras.

1. Quando surgiu a idéia de desenvolver a fibra produzida a partir do bagaço da cana-de-açúcar?

Possuo doutorado em Engenharia Têxtil e pós-doutorado em Biomateriais pela Universidade do Minho, em Portugal, onde trabalhei com regeneração óssea e incorporação de enzimas nos materiais desenvolvidos. O desenvolvimento da fibra de celulose e quitosana teve início quando regressei ao Brasil e fui contratada como docente no curso de Têxtil e Moda da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP). O primeiro projeto aprovado com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) foi o desenvolvimento de novas fibras têxteis à base de celulose regenerada e quitosana para aplicações médicas. No início, como as nossas instalações de laboratório ainda não estavam concluídas, fui convidada pelo professor Adalberto Pessoa, da USP, para utilizar o laboratório no Departamento de Tecnologia Bioquímico-Farmacêutica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas. Utilizei uma celulose comercial para dar início aos estudos de desenvolvimento de uma fibra à base de celulose, quitosana e híbrida celulose e quitosana. A celulose é um polímero muito utilizado no desenvolvimento de algumas fibras têxteis como a viscose, o raion, o acetato e o liocel. São fibras que conferem a um tecido ou malha propriedades de conforto e resistência, no entanto, não oferecem propriedades medicinais. Por outro lado, a quitina que é um polímero extraído da carapaça de crustáceos (caranguejo, camarão, lagosta, etc.) pode ser convertida em vários derivados, sendo um deles a quitosana. A quitosana possui propriedades bactericidas, fungicidas e cicatrizantes com grande capacidade de absorção de umidade. É um polímero abundante e um resíduo da indústria da pesca. A fibra híbrida une as características da celulose com as propriedades medicinais da quitosana. As fibras foram testadas e os resultados obtidos se mostraram promissores.

2. Em que fase está a pesquisa e que produtos essa fibra pode originar?

As fibras produzidas a partir da celulose do bagaço, palha e hibridas celulose e quitosana encontram-se em fase de testes mecânicos, químicos e bioquímicos para que as propriedades possam ser confirmadas. A próxima etapa será o desenvolvimento de estruturas como tecidos, malhas ou nãotecidos que poderão ser utilizados tanto na produção de vestuário como na produção de bandagens. Isto será determinado de acordo com a resistência das fibras obtidas. Quando obtivermos uma dessas estruturas, partiremos para uma nova fase de testes das propriedades. Serão testes que envolvem a capacidade de absorção do material, resistência, propriedade bactericida e fungicida, capacidade de cicatrização de ferimentos, além de testes de tingimento e conforto. Por exemplo, alguns pacientes portadores de necessidades especiais desenvolvem úlceras de pressão (feridas) na superfície da pele, normalmente causadas por bactérias e infecções devido à falta de mobilidade. Um curativo com a presença de quitosana, quando colocado sobre este tipo de ferimento, poderá absorver as secreções atuando como bactericida, fungicida e ao mesmo tempo cicatrizante. Dessa forma, o paciente que utilizar uma roupa inteligente poderá evitar ou mesmo diminuir o uso de pomadas e outros medicamentos para o tratamento dessas feridas. Outro exemplo são os idosos com tendência ao desenvolvimento de varizes, que levam à formação de úlceras. Além da quitosana, podemos incorporar na estrutura dessas fibras: enzimas, fármacos e qualquer biomolécula que poderá atuar de forma especifica, dependendo do tipo de tratamento pretendido.

3. Já existem planos de comercialização do produto?

O desenvolvimento da fibra já foi patenteado em meu nome e no dos pesquisadores Sirlene Maria da Costa (Instituto de Pesquisa Tecnológica – IPT), Adalberto Pessoa Júnior (USP) e da Fapesp. A tecnologia para o desenvolvimento da fibra já existe no mercado. A indústria têxtil brasileira apresenta muitas condições de investir nessa área, no entanto, antes das condições de laboratório, faz-se necessário um estudo de ampliação de escala, como é feito com qualquer produto desenvolvido em laboratório. Do ponto de vista comercial o projeto é atraente tanto para a indústria têxtil como para a indústria farmacêutica.