Cultura, inclusão e políticas públicas

Valor Econômico - 3/11/2003

seg, 03/11/2003 - 11h04 | Do Portal do Governo

Os investimentos do Estado na cultura devem beneficiar o cidadão, e não as elites

Por Cláudia Costin

O que faz uma especialista em políticas públicas na Secretaria da Cultura? Quando assumi a pasta, em janeiro passado, muitas vezes ouvia ou, mais freqüentemente, adivinhava, no franzir da testa de interlocutores, essa pergunta. Se a secretária não é artista, escritora, intelectual ligada de alguma forma às epifanias das musas, como vai poder conduzir com mão firme e decisões precisas um universo tão complexo como o de uma pasta que em geral é avaliada mais em função do glamour que projeta que dos resultados que obtém?

Inicialmente, procurei ignorar esse questionamento, disposta a mostrar, com ações mais que com palavras, que para administrar gente e dinheiro, seja ele público ou privado, não é preciso ser mecânico – se o negócio for uma montadora – ou trapezista – se o caso for de circo. O que é fundamental é ter disposição para interagir com mecânicos e trapezistas com a visão de bom senso, organização e planejamento que todo gestor deve ter. Nisso, sim, temos que ser do ramo.

Quando aceitei o convite feito pelo governador Geraldo Alckmin para ocupara a Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, além da honra profissional de participar de um projeto de magnitude na prática nacional, deparei-me com o desafio de fazer da pasta o vetor de um projeto maior, de inclusão cultural de todos os paulistas, que ousasse sonhar contaminar todos os brasileiros. Foi nesse sentido que, com o auxílio de uma equipe dinâmica e comprometida, orientei as ações e diretrizes da Secretaria, que começam agora a dar frutos.

Ao estabelecermos como meta a definição de uma política cultural como política pública, que permitisse reforçar o conceito de cidadania através do acesso à cultura, contrariamos com certeza alguns interesses. A maioria, daqueles que ainda acreditam que a cultura pertence às elites, que se arvoram em proprietários onipotentes de um conhecimento seleto e excludente. Não é essa nossa visão de política cultural pública. Uma política pública tem que ter como foco, como beneficiário, o cidadão. A ele, e não às elites ou aos artistas, devem se destinar os investimentos do Estado na cultura.

A abordagem, num país de grande exclusão social, só pode ser o de universalizar o acesso aos bens culturais, apoiando-se, para tanto, numa parceria com os diversos produtores culturais e numa adequada integração com outras políticas públicas, especialmente uma política urbana que contemple a localização dos espaços culturais e a organização da vida e do lazer comunitário.

Optamos, com apoio do governo do Estado, por trabalhar a imensa riqueza étnica de São Paulo, e a produção cultural que resulta dessa multiplicidade racial que compõe nossa geopolítica. Optamos, também, como alternativa às armas e ao crime, sem pieguice mas com ações objetivas, por implantar ou reforçar bibliotecas comunitárias e oficinas de arte em bairros e comunidades carentes. Elas permitem aos jovens conquistar prestígio e destaque entre seus pares por meio do desempenho artístico-cultural e não da violência.

O melhor exemplo do sucesso desta política é perceptível no âmbito de uma iniciativa excelente do ex-secretário Marcos Mendonça e que tive a oportunidade de ampliar, o Projeto Guri, que constitui orquestras de jovens em situação de risco social (hoje já há 110 orquestras e cameratas) e que registra um emocionante índice de zero de criminalidade entre seus mais de 22 mil participantes.

Paralelamente às ações de inclusão nos grandes e conturbados centros, apostamos nossas fichas na interiorização das ações públicas, por acreditarmos que é nas localidades mais distantes da capital, assim como nas mais carentes, que as manifestações culturais menos encontravam caminhos e recursos para sua revitalização e consolidação.

A maior parte das iniciativas culturais, públicas e privadas, estava concentrada na capital – e era papel do gestor público levá-las a quem sempre se sentiu alijado de todo um universo que amplia horizontes e reforça a integração de nossa gente. Temos agido firmemente no apoio e patrocínio de projetos regionais, apoiando, entre outras linguagens, teatro, por meio de oficinas e adoção de mais de 200 grupos de teatro amador em todo o estado, que recebem por um ano orientação em dramaturgia, cenografia e iluminação, por meio do já consagrado projeto Ademar Guerra agora desenvolvido no interior.

A abordagem buscada privilegia qualidade em tudo o que fazemos, especialmente quando se trata de inclusão cultural. Não podemos pensar em dar ‘arte mastigada’ para os hoje excluídos e pensar que com isso estamos cumprindo com o papel do estado. Não importa o estilo ou linguagem artística oferecida, todos têm direito ao melhor da produção cultural, seja ela no hip-hop, na música erudita ou na arte contemporânea. A busca de qualidade também se aplica aos museus. Não se deve investir em novos museus, sem garantir vida e condições de operação aos existentes. Precisamos cuidar dos 20 museus que temos, da programação às instalações físicas. Nada mais triste que um museu se deteriorando enquanto se inauguram novos espaços. Com isso, conseguimos aumentar de forma expressiva a visitação de todos nossos museus abertos, incluindo o Museu da Casa Brasileira que em janeiro teve 26 visitantes e conta hoje com cerca de 4 mil visitas/mês ou o MIS que ficou fechado por dois anos e pode se orgulhar da presença mensal de mais de 9.500 pessoas. É qualidade também que nos permite manter e ampliar a programação de uma Orquestra Sinfônica de primeiro mundo, mas atuar também com as bandas de pequenas cidades, capacitando-as e provendo-as de partituras, inclusive na internet. A isso, alguns chamam de pobreza. Nós chamamos de democracia, acesso e esforço por boa gestão de políticas publicas.

Cláudia Costin, ex-ministra da Administração Federal e Reforma do Estado (gestão Fernando Henrique Cardoso), é secretária de Cultura do Estado de São Paulo.