Cultura e sonho para uma vida real

A Tribuna - Santos - Segunda-feira, 15 de novembro de 2004

seg, 15/11/2004 - 20h14 | Do Portal do Governo

Tribuna Livre

Claudia Costin (*)

‘‘Não existe meio mais seguro para fugir do mundo do que a arte, e não há forma mais segura de se unir a ele do que a arte’’. Valho-me das palavras do escritor alemão Johann Wolfgang Goethe para ressaltar o extraordinário poder da cultura na vida do ser humano. Por meio dela é possível escapar das mesquinharias do mundo real, mas também atuar como um cidadão que exprime seus sentimentos, idéias e angústias sobre o meio em que vive. Um jovem que não tem vida cultural se exclui não apenas do que de mais belo a sua sociedade e a humanidade produziram, mas também se torna um não-cidadão. Não adquire autonomia intelectual para julgar problemas que o cercam a partir de suas próprias leituras e fica subjugado à seleção de informações de interlocutores, principalmente à mídia de massa.

O acesso à arte deve ter início logo na infância e a escola tem um papel primordial na formação cultural de crianças e jovens. É lá onde diversificam seu acervo familiar de experiências culturais, testam suas vivências com o que lhes é apresentado como consagrado e, sobretudo, podem ter a oportunidade de conhecer o prazer das sensações estéticas. Bertrand Russel afirmava, em ensaios da década de 30, que a escola deve educar jovens não apenas para o trabalho, mas também para o ócio, ou seja, para um uso construtivo do tempo livre. Não podemos nos esquecer de que é neste momento, em fins de semana, que acontece a maior parte dos homicídios de jovens por jovens.

A família tem também um importante papel na formação cultural das crianças, o que infelizmente traz perspectivas de reprodução de um ciclo de acesso cultural restrito ao que os meios de comunicação de massa oferecem como cultura legítima. Além disso, se os pais passam às crianças uma imagem de que é penoso ir a concertos, visitar museus e ler livros, por exemplo, seus filhos tenderão a associar o prazer estético com obrigações desagradáveis, a ser evitadas. Provavelmente passarão tal imagem às futuras gerações, criando dessa maneira uma cadeia de subdesenvolvimento intelectual.

O exemplo dos mais velhos é essencial. Os pais, quando possível, (as estatísticas nem sempre são favoráveis a este respeito, apenas 26% dos adultos segundo dados do Instituto Paulo Montenegro, são capazes de ler e entender um livro) devem ser vistos lendo livros por prazer, ao invés de serem flagrados por horas na frente da TV. Crianças e jovens devem ser levados por escolas ou pela família a exposições em locais como a Pinacoteca, Museu de Arte Moderna (MAM), Paço das Artes, Museu de Arte Contemporânea (MAC-USP) que, aliás, são gratuitos, em sua maioria para menores de 10 anos e, para os demais jovens, em alguns dias da semana. Os diferentes estilos e manifestações artísticas devem ser apresentados aos jovens, por isso a importância de ir a concertos ou peças teatrais, apresentações de música erudita e mesmo rock ou rap. Daí a importância de pais freqüentarem junto com os filhos programas como a Escola da Família, que abre as escolas estaduais em todo o estado para atividades culturais durante os fins de semana, as bibliotecas municipais de sua cidade ou os Concertos Matinais a R$ 1 realizados nos domingos de manhã, na Sala São Paulo.

A arte é e tem sido um instrumento muito eficaz de combate à violência. Um jovem que recebe uma arma do narcotraficante e tem a possibilidade de trabalhar para ele, adquire prestígio em sua favela, notoriedade e a admiração de seus pares, ou seja, tudo o que um adolescente tende a ambicionar. Ora, se dermos a esse jovem, além de educação e emprego, um violão ou a chance de ser ator num grupo de teatro em sua comunidade, ele também ganha visibilidade e admiração e foge de um mundo sem perspectivas de futuro.

E a arte não é apenas para os artistas e produtores culturais. Não há profissão que prescinda do sonho e do exercício da criatividade. Além da formação de cidadãos independentes, de pessoas capazes de usufruir seu tempo livre de forma interessante e não agressiva, a cultura ajuda a capacitar profissionais. O mercado de trabalho tem valorizado cada vez mais pessoas capazes de trabalhar em grupo, de estar permanentemente atualizada, aptas a utilizar novas tecnologias e, sobretudo, capazes de identificar os problemas e pensar de forma inovadora em soluções. E isso demanda conhecimentos que transcendem os conteúdos específicos de cada ramo profissional. Demanda habilidade de abstração, de relacionar conhecimentos de diferentes campos, de recorrer a símbolos e processos de identificação. A arte oferece, nesse sentido, terreno fértil para que estas capacidades floresçam.

(*) Claudia Costin foi ministra da Administração e Reforma do Estado e é atualmente secretária da Cultura do Estado de São Paulo.