Crime virtual existe. E a delegacia é real

Jornal da Tarde - Quinta-feira, 13 de novembro de 2003

qui, 13/11/2003 - 11h14 | Do Portal do Governo

Se alguém atacar sua honra por e-mail (ou num chat) e você não souber de onde veio a mensagem, pode recorrer à Delegacia de Crimes por Meios Eletrônicos. Lá, os investigadores são peritos em encontrar as pistas deixadas pelas transações eletrônicas. Spams e vírus, embora proibidos, raramente são associados a crime.

Roseli Andrion

Pode parecer estranho, mas aquele e-mail (ou mensagem num chat) que você mandou para um amigo fazendo uma brincadeira pode ser usado contra você. Ser réu num processo criminal que use uma mensagem eletrônica como prova não é difícil – chamar alguém de “picareta”, por exemplo, é o bastante se a pessoa se sentir ofendida.

Crescem muito as queixas que envolvem crimes contra a honra usando meios eletrônicos: calúnia, difamação e injúria já estão no topo do ranking. Se o remetente de um e-mail com conteúdo ofensivo for conhecido, a denúncia pode ser feita em qualquer delegacia. Nos casos em que o autor é desconhecido, porém, entra em ação a equipe da Delegacia de Crimes por Meios Eletrônicos.

Criada há pouco mais de dois anos, em outubro de 2001, a unidade tem um delegado, uma investigadora-chefe e dez investigadores.

Todos passaram por treinamento em tecnologia para usá-la como coadjuvante na apuração dos crimes digitais. “São especialistas em encontrar as pistas deixadas nesse tipo de ação”, avalia Arlindo José Negrão Vaz, delegado titular.

As armas dos profissionais, nesse caso, são os quatro computadores Pentium 4 (um para cada equipe, que reúne dois ou três policiais), equipados com periféricos e softwares especiais. “Não podemos dizer exatamente o que essas máquinas têm para não fragilizar as investigações.”

Honra é atacada em e-mail e chat

Os crimes contra a honra já são cerca de 30 a cada mês. Em segundo lugar vêm as fraudes financeiras. Já houve época – quando a delegacia foi criada, por exemplo – em que a modalidade mais popular era a pedofilia. Foram 121 casos ao longo desses dois anos. Hoje, há 11 inquéritos desse tipo.

Todo o processo de investigação começa com a denúncia do crime. Com as informações em mãos, os policiais partem para a investigação: é preciso localizar o número IP (Internet Protocol) – que identifica a máquina na internet – para descobrir de onde partiu a mensagem. Sempre que o internauta se conecta ao provedor, seu número de telefone é associado a um IP. Assim, é possível localizar a máquina que enviou determinado e-mail.

Geralmente, os suspeitos dos crimes são encontrados e convidados a prestar depoimento. “Cerca de 80% deles são pegos”, estima Vaz. “Diferentemente do delito comum, o digital deixa mais rastros.”

Vaz refere-se à trilha formada na máquina a cada transação eletrônica. Sempre que um computador troca informações com outro – ou softwares conversam entre si – é criado um log dessa atividade. A partir dele, é possível descobrir o número IP dos envolvidos.

Aí começa mais uma fase árdua: conseguir, dos provedores, as informações sobre os internautas envolvidos. Normalmente, eles só liberam esses dados mediante solicitação judicial.

Depois de identificado, o suspeito é notificado e chamado à delegacia. “Se for preciso, vamos buscá-lo. Normalmente, não há resistência”, explica Tânia Aparecida Nastri, chefe dos investigadores.

Sem perseguições nem trocas de tiros

Isso significa que não há perseguições cinematográficas nem trocas de tiros. Ou melhor, até hoje isso não ocorreu. “Se for preciso recorrer a esses métodos, porém, estamos preparados”, relata Tânia. “Quando há resistência, algemamos o cidadão para evitar atitudes violentas”, completa Vaz.

Se ficar provada a culpa do suspeito, ele é indiciado. Esse é o primeiro passo do processo que, depois de concluído, é encaminhado ao fórum. Lá, o criminoso é julgado e pode ser condenado. Mesmo com os investigadores trabalhando, em média, 14 horas diárias, o procedimento completo demora cerca de quatro meses.

Apesar do alto volume de spams e vírus espalhados diariamente na Web, eles raramente são associados a uma modalidade criminosa – como causam prejuízos, são campo fértil para a indústria das indenizações. “Mesmo assim, recebemos poucas queixas envolvendo a propagação de spams ou de vírus.”

E na hora de definir as penas dos condenados, como não há no País, ainda, uma legislação específica para os crimes da era digital, todos os casos têm de ser encaixados nas modalidades previstas no Código Penal ou em leis e estatutos.

Muitos casos são recebidos pelo disque-denúncia (0800-156315) da Secretaria de Segurança Pública. “Esses processos recebem um número de protocolo e passam por várias instâncias. Demoram cerca de 20 dias para chegar aqui”, revela Vaz. Para uma resposta mais rápida, a saída é ligar diretamente para a Delegacia de Crimes por Meios Eletrônicos (11) 6221-7030.