Criança é maior vítima de abuso, diz estudo

Folha de S.Paulo - Terça-feira, 11 de março de 2008

ter, 11/03/2008 - 11h10 | Do Portal do Governo

Folha de S.Paulo

Quase metade dos casos de violência sexual atendidos em 2007 no Hospital Pérola Byington, em São Paulo, é de crianças até 12 anos, revela levantamento divulgado ontem pela Secretaria de Estado da Saúde. A instituição é referência na América Latina em atendimento às vítimas de violência sexual.

As crianças nessa faixa etária representaram 43% de 1.926 casos de violência sexual atendidos no hospital. No mesmo período, houve 517 casos de abusos contra adolescentes até 17 anos. Somando crianças e adolescentes, a taxa de violência sexual chega a 70%.

Em quase 15 anos de trabalho, o hospital já computou cerca de 9.000 notificações de abuso sexual contra menores de 18 anos. O Pérola não dispõe de dados tabulados sobre a faixa etária das vítimas de violência em anos anteriores, mas, segundo o coordenador do serviço, Jéferson Drezett, os casos envolvendo crianças pequenas têm sido mais freqüentes. “Pode ser que esses casos estivessem debaixo do tapete. Agora, com mais informações e serviços de atendimento às vítimas, eles estão aparecendo.”

Agressores

Drezett afirma que 85% dos agressores são pessoas próximas às crianças, sendo que 40% deles são pais ou padrastos. O restante se divide em tios, avós, amigos da família e vizinhos.

Segundo o médico, 60% dos casos de abuso ocorrem mais de um ano antes da descoberta do crime -12% mais de cinco anos antes. “Muitos casos só vêm à tona quando a criança aparece com uma DST [doença sexual transmissível] ou quando começa a menstruar e engravida do agressor.”

Do total de casos de crianças violentadas atendidas no Pérola, 30% sofreram violência física (penetração vaginal ou anal). “Na maioria [dos casos] são atos libidinosos, masturbação, por exemplo. O dano à criança é de fundo emocional, e as seqüelas são terríveis”, diz ele. O serviço conta com três psicólogas.

Drezett conta que como esse tipo de abuso não costuma deixar sinais físicos como prova, é preciso que os pais acreditem nos relatos e queixas dos seus filhos. “É importante desenvolver uma relação de confiança entre pais e filhos e criar um espaço em que os filhos possam se expressar sem medo de punição. E precisam se atentar para mudanças comportamentais da criança.”

Foi exatamente mudanças no comportamento de Maria, 7, que levou seu pai e sua madrasta a descobrir que a menina havia sido abusada pelo padrasto, no período em que morava com a mãe em uma casa de dois cômodos em Campinas (SP).

A garota era ansiosa, chorava muito, tinha medo de dormir sozinha e dificuldade de se relacionar com outras crianças. Por indicação médica e da escola, foi encaminhada a uma psicóloga. No consultório, Maria fazia repetidos desenhos de uma cama e, quando questionada sobre o significado, dizia: “ele vem vindo”.

Após o trabalho terapêutico, descobriu-se que a menina era abusada ao menos desde os cinco anos de idade.

A transcrição que consta no relatório de atendimento do programa onde a garota foi atendida em Araçatuba (SP), onde mora atualmente com o pai e a madrasta, é aterrorizante. Diz a menina:

“Uma vez, a mãe viu um pouquinho, ficou brava e bateu nele [padrasto] de pau, na cabeça”. Mas depois a mãe falou para eu não contar para ninguém. Ou ela me levaria para bem longe, mas antes me daria uma surra.”

O documento informa ainda que a mãe de Maria qualificou-a como “sem-vergonha” e acusou a menina de “ter provocado” sexualmente o padrasto. Mãe e padrasto respondem a processo na Justiça.