Cores em choque

Folha de S.Paulo - Terça-feira, 22 de julho de 2008

ter, 22/07/2008 - 9h25 | Do Portal do Governo

Folha de S.Paulo

Um padre que escolheu o celibato para expiar a culpa por suas ações do passado é obrigado a adotar uma menina de cinco anos, filha de sua irmã, uma celebridade pornô que morreu.

É esse cenário “sui generis” que dispara a trama de “Princess”, uma das animações mais impactantes dos últimos tempos e um dos melhores filmes do 16º Anima Mundi, que tem início hoje em São Paulo.

Dirigido pelo dinamarquês Anders Morgenthaler, 35, o filme esteve na Quinzena dos Realizadores de Cannes 2006 e participa da competição de longas do festival brasileiro -será exibido na capital paulista na sexta (25/7), às 22h, na sala 1 do Memorial da América Latina.

Feito com técnica mista (usa diferentes tipos de animação, do lápis ao digital, além de cenas com atores reais), “Princess” parece o tipo de coisa que Lars von Trier faria se um dia se metesse com desenho: é violento, ocasionalmente engraçado, tocante e, acima de tudo, barra-pesada e polêmico -na programação, foi classificado como “desaconselhável para menores de 16 anos”. Morgenthaler, aliás, trabalha na Zentropa, produtora de Von Trier.

“Quis fazer um filme com uma história crua, banal, mas com muitos sentimentos, com uma trama de fantasia”, disse Morgenthaler em entrevista à Folha por telefone.

“A história me veio há cinco anos, quando comecei a pensar nas dificuldades para adotar uma criança e ter que consertar o passado dela, quando você não estava lá. Estava interessado em mostrar quão difícil é não fazer parte dos primeiros anos de uma criança, mas ter que criá-la, educá-la.”

O padre e a atriz pornô

É este o dilema de August, um jovem padre missionário que volta à sua cidade natal quando sua irmã, Christina, uma atriz pornô que se celebrizou como a “princesa” do título, morre em conseqüência da vida desregrada que levava.

Ela deixa órfã Mia, de cinco anos, uma criança linda com um passado sinistro, graças à convivência com o ambiente de trabalho de sua mãe.

August adota a menina e passa a tentar apagar o passado de sua irmã como atriz pornô, na esperança de que a criança cresça sem traumas e estigmas.

Para isso, ele parte para a vingança, indo atrás de todos os envolvidos na indústria pornô, movido também por um complexo de culpa que, ao longo do filme, vai sendo esclarecido.

Morgenthaler diz que seu filme não foi inspirado em nenhum fato real, mas que “reflete o fato de eu ter tido uma filha na época e querer protegê-la.”

O que “Princess” tem de realidade, segundo seu diretor, é o retrato sombrio da indústria da pornografia. “Quis marcar uma posição política nessa questão, mostrar que o mercado pornô, que estava em crescente exposição, tinha um lado negativo que era ignorado pela maioria das pessoas. Há um custo humano no qual ninguém pensa.”

Como esperado, o filme gerou controvérsia -a crítica da revista “Variety”, após assisti-lo em Cannes, disse que era “de mau gosto”- e foi banido em países como Cingapura.

Segundo Morgenthaler, houve uma forte reação de religiosos ao filme, mas o principal problema foi com o que o diretor chama de “radicais culturais dinamarqueses”.

“A Dinamarca foi o primeiro país a legalizar a pornografia e ela é vista como o exemplo máximo da liberdade de decisão individual. Me acusaram de tentar censurar as pessoas, por mostrar um lado negativo da indústria pornô. Acharam que isso era um ataque à democracia, ao livre-arbítrio.”

O diretor diz que sua obra não tem uma intenção repressora, mas que retrata a parte oculta do bilionário mercado da pornografia, a partir de pesquisa própria. “Acho que as pessoas devem ser livres para fazer o que quiserem, inclusive filmes pornôs, só não acredito no mito da prostituta feliz. Fiz muita pesquisa para o filme e vi que a maioria das pessoas dessa indústria tem problemas emocionais sérios. É como se elas estivessem se sacrificando pelo prazer dos outros.”