Contra crime leve, trabalho em hospitais

Jornal da Tarde - 2/9/2003

ter, 02/09/2003 - 10h22 | Do Portal do Governo

Um acordo entre a Secretaria de Saúde e o Ministério Público estendeu o programa de prestação de serviços comunitários para seis instituições de Saúde da capital e Grande São Paulo

Fábio Ricardo de Paula, de 23 anos, foi pego pela polícia portando ilegalmente uma arma, no ano passado. ‘Sempre andei na contramão da lei, tive uma vida mais marginalizada’, conta. Como sua infração é considerada leve pela Justiça, recebeu como pena a prestação de serviços comunitários por um ano ao Hospital do Mandaqui, na Zona Norte. Segundo o jovem, essa foi a chance que mudou sua vida. A chance, agora, será estendida a outras pessoas que cometem infrações leves, que trabalharão em seis hospitais da rede estadual de Saúde.

A Secretaria de Saúde e o Ministério Público estaduais se espelharam no exemplo do projeto-piloto desenvolvido há sete anos no Mandaqui e firmaram acordo para estender a prestação de serviços aos Hospitais Ipiranga, Itaim Paulista, Regional Sul, Cândido Fontoura, Vila Alpina e Itaquaquecetuba – este, na Grande São Paulo. A partir de 21 de agosto, os hospitais têm dois meses para entrar em contato com as promotorias locais e implementar o programa. Além do Mandaqui, o Hospital Luiz Gonzaga, também na Zona Norte, tem prestadores de serviços enviados pelo Fórum de Santana, embora em menor número.

O trabalho vai da preparação do café, atendimento ao público, preenchimento de fichas, retirada e entrega de papéis, digitação, organização do arquivo até serviços na lavanderia. O objetivo é possibilitar que infratores leves possam prestar um serviço de utilidade pública e, dessa forma, sejam reinseridos na sociedade de maneira positiva.

Podem ser beneficiadas as pessoas que tiverem suspensão ou transação de processo penal em infrações leves – ou seja, detidos por porte ilegal de arma, porte de entorpecente para consumo próprio, acidente de trânsito, lesão corporal, ameaça, briga de rua e embriaguez ao volante, entre outros.

‘São pessoas comuns, que não têm uma vivência criminal e cometeram infrações que qualquer um de nós pode cometer na vida’, explica a assistente social Cristina Poli, que desenvolve o projeto no Mandaqui. Ela e outras assistentes fazem a entrevista com os infratores para determinar seu perfil e habilidades e, assim, encaminhá-los ao setor em que melhor se enquadram.

Hoje, o hospital tem 100 prestadores de serviço – a média mensal. Mas, em sete anos de projeto, já foram 1.620 infratores atendidos. Em geral, o serviço dura de dois meses a um ano, sete horas por semana, de acordo com o melhor horário para o infrator.

Segundo o promotor Mário Sérgio Sobrinho, do Fórum de Santana, a maioria das pessoas condenadas à prestação de serviços no Mandaqui não tem mais de 35 anos, são moradores da Zona Norte e com uma condição social mais precária – há exceções, como universitários.

A experiência rendeu bons frutos. O promotor informa que 70% das pessoas encaminhadas ao hospital cumprem sua pena com êxito. O restante acaba mudando de endereço, adoecendo ou tendo outro tipo de problema, que é contornado com a reversão da sentença em multa. Aliás, a multa é o método preferido de pagamento por 95% dos infratores. ‘A prestação mexe mais com a pessoa’, diz Mário.

Isso porque a prestação de serviço tem caráter mais educativo, como conta o diretor técnico do Departamento de Saúde do Mandaqui, Ricardo Tardelli. ‘Ela tem um impacto sobre os mais jovens muito interessante: faz eles assumirem uma responsabilidade, ter contato com fatos e rotinas e sentir satisfação em pertencer a uma instituição.’ Tanto é que muitos que prestaram serviços fizeram cursos profissionalizantes na área ou tentam entrar por meio de concurso público.

Aryane Cararo